sexta-feira, 27 de abril de 2007

Do fóssil para a vida

Romerito Aquino

O jornalista Antônio Alves, prezado companheiro das boas lutas contra a ditadura na Universidade de Brasília (UnB), no final da década de 70, veio a público condenar a energia derivada dos organismos mortos, como é a origem do petróleo e do gás natural, para o homem tocar o seu desenvolvimento.

Pelo que se sabe, o homem sempre dependeu dos organismos mortos ou os matou para viver. E isso se intensificou depois que a natureza deu a ele o conhecimento e o domínio do fogo, a primeira fonte de energia conhecida, que não só o ajudou a saborear melhor a carne de animais e dos peixes mortos, por exemplo, como o levou a movimentar coisas que passaram a lhe facilitar a vida.

O companheiro usou o símbolo da morte para condenar um possível uso de gás natural ou petróleo no Acre, que vai, segundo ele, matar a floresta, a Amazônia, o planeta, enfim, e todos que neles habitam. Ele disse que em vez de usar coisas mortas para gerar energia, o homem deveria usar uma energia derivada da vida. A chamada bio-energia.

Muito bem. Tirando fora a energia petrolífera derivada dos organismos mortos, que hoje movimenta e vai movimentar por no mínimo mais 100 anos o planeta por causa de seu uso irracional e excessivo, o que o mundo, a Amazônia e o Acre têm a oferecer hoje em termos de bio-energia?

Temos a energia nuclear, mas essa os ambientalistas se apavoram só de ouvirem falar no nome, pois daí para a guerra e a destruição rápida do planeta é um pulo. Há também o álcool, mas esse exige plantio de cana, o que implica em mais desmates e mortes de florestas pelo mundo e o Brasil afora. Temos ainda a energia vinda das hidrelétricas, mas essas inundam grandes áreas, deixam milhares de desabrigados e matam muito da biodiversidade animal e vegetal. Há a energia eólica, mas essa só dá certo em algumas regiões apropriadas.

Temos, ainda, as eleoginosas, como a mamona, o girassol e a soja, que também geram excelente bio-energia. Mas também geram monoculturas concentradoras de renda, além de exigirem grandes áreas sem árvores para serem produzidas. Só a soja, que caminha logo atrás da pecuária na Amazônia, já foi responsável nos últimos anos por mais de um Acre inteiro em termos de queimadas e desmatamentos da floresta. Há também a energia solar, mas essa exige investimentos elevados em equipamentos que a inviabiliza em escala maior pelo preço da vida que se paga no regime capitalista.

Por fim, restam algumas árvores da floresta, como a copaíba, a andiroba e outras que se forem exploradas sustentavelmente podem produzir óleos que também resultam em bio-energia. Mas tal energia ainda é rara e se produz de forma artesanal em uma ou outra comunidade isolada da floresta.

Então, em resumo, a bio-energia pode ser muito boa, mas ainda é muito pouca ou quase inexpressiva no mundo para ousar, em tão pouco tempo, substituir o gás natural ou o petróleo, que respondem hoje por nada menos que 98,5% da oferta mundial, com as demais fontes alternativas respondendo, juntas, por apenas 1,5% dessa oferta.

Mas quero justamente pedir emprestado os conceitos de morte e vida usados por Antônio Alves para me contrapor a ele nesta perspectiva do Acre vir, daqui a um ano, encontrar e explorar gás ou petróleo em seu território, obviamente fora das áreas indígenas e das unidades de conservação, mesmo porque a legislação atual do país não permite tal feito.
Defendo a exploração no Acre, principalmente do gás natural, que é 40% mais limpo que o petróleo, porque sei, a exemplo do que vi em Urucu (AM), que ele pode ser gerado com o mínimo de impacto ambiental possível na floresta amazônica. Principalmente se a ínfima área que ocupa dispuser dos cuidados científicos a cargo de instituições como o Inpa, o Museu Goeldi e universidades federais da região, como procede a Petrobras naquele estado.

Quero trocar o conceito de morte pelo conceito de vida que o nosso Acre teria caso os substanciosos recursos financeiros originários do gás natural fossem aplicados em políticas compensatórios socioambientais que começassem com o ato do estado não desmatar ou queimar mais nenhum palmo de floresta. O que contribuiria, logo de saída, para a redução da emissão de gás carbônico via queimadas na Amazônia, que são responsáveis hoje por nada menos de dois terços da contribuição que o Brasil dá para aquecer o planeta a partir do efeito estufa.

Outro conceito de vida que a contribuição do gás poderia dar ao estado seria aplicar seu dinheiro em projetos de uso múltiplo florestal, onde matérias-primas florestais poderiam ser transformadas, em pequenas fábricas comunitárias, em produtos como fármacos, resinas, cosméticos, artesanatos, ecoturismo e outros, tão apreciados e valorizados hoje nos mercados nacional e internacional. Isso levaria os índios Yawanawá, por exemplo, a fabricarem em sua própria região o batom e outros produtos cosméticos, em vez de continuarem exportando o urucu para a multinacional Aveda produzi-los nos Estados Unidos, o que agregaria valor e aumentaria a renda para eles e para outros habitantes da floresta.

Como bem diz o antropólogo Txai Terri Aquino, meu prezado e querido irmão, que há mais de 30 anos defende que os índios precisam produzir para garantir a posse e o usufruto de suas terras, o exemplo que dei dos Yawanawá poderia ser estendido para outros grupos indígenas do estado, além de para os seringueiros, os ribeirinhos, os pequenos agricultores e os demais povos da floresta.

Além de parar de queimar anualmente milhares de hectares de floresta para plantar legumes e manter pequenas criações de gado, o meio rural florestal acreano teria dinheiro para atender suas muitas carências sociais, a falta de transporte, a ausência de saneamento básico, a produção da bio-energia em regiões mais isoladas e a falta de água, do peixe e da caça, que já se observa em determinadas regiões do estado com a morte, pelo assoreamento provocado por fazendas de gado, de muitos de seus rios e igarapés.

As pequenas fábricas - tocadas por associações de produtores e cooperativas - como a de produção de preservativos que será inaugurada em breve em Xapuri, poderiam também ser instaladas em outras cidades, particularmente na capital do estado, onde mais de 150 mil ex-seringueiros, amigos de Chico Mendes e Wilson Pinheiro, vivem de bico ou desempregados ao dissabor da violência urbana crescente apimentada pelo uso de drogas, de bebidas alcoólicas e de prostituição, principalmente a infantil.

Mais uma oportunidade de vida advinda dos recursos do gás, que pode ser produzido em 10% da área de uma fazenda de tamanho médio do Acre, seria o mesmo grupo político que governa o estado de maneira responsável há oito anos aplicar o dinheiro dos royalties e impostos na recuperação dos rios do estado, particularmente o rio Acre, que de Xapuri a Rio Branco tornou-se um imenso cemitério de peixes, animais e aves.

Enfim, são muitos os exemplos de bons projetos que poderiam ser executados no Acre com a renda do gás natural, a começar da mudança da própria matriz energética usada para gerar energia elétrica à base de óleo diesel, que é 40% mais poluente e transportado de forma nada segura pelas rodovias e hidrovias que cortam a floresta da região.

No mais, é fazer votos para que continuemos todos num nível de debate elevado e fraterno sobre esse assunto, que ficaria ainda melhor, no caso do companheiro Antônio Alves, se fosse comendo um tambaqui amoquinhado lá pelas florestas dos amigos Kaxinawá e Ashaninka. Antes que ele vire petróleo ou gás nos próximos milhões de anos.

Copiado do Portal de Notícias do Amazonas Kaxi.com.br

Romerito Aquino é jornalista, acreano, formado na Universidade de Brasília (Unb). Foi repórter do Jornal do Brasil (RJ), O Globo (RJ), Correio Braziliense (BSB), Jornal de Brasília (BSB), Cidade Livre (BSB), Varadouro (AC), A Gazeta do Acre (AC), O Rio Branco (AC), Folha do Acre (AC), Página 20 (AC), A Crítica (AM) e Folha do Meio Ambiente (BSB). E-mail para contato:romeritoaquino@yahoo.com.br

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