sexta-feira, 11 de abril de 2008

Xapuri e a gestão do lixo


A Agência de Notícias do Acre noticiou, esta semana, que a maioria dos municípios do estado deverá assinar Termo de Ajustamento de Conduta para disciplinar o uso de lixões em seus territórios. O Imac – Instituto de Meio Ambiente do Acre - realizou vistoria em 20 municípios e definiu as condições dos depósitos de lixo como preocupantes e negativas.
Lembrei que o município de Xapuri foi o único acreano a participar de uma experiência piloto de gestão integrada de resíduos sólidos, financiada pelo Ministério do Meio Ambiente, que envolveu dez municípios da Amazônia, a partir do ano de 2001. O município que ficou conhecido em todo o mundo como exemplo de luta pela preservação ambiental, devia, hoje, pelo menos em âmbito regional, ser modelo do enfrentamento ao sério problema da destinação e acomodação adequada do lixo.

A inclusão de Xapuri no projeto se deu, certamente, em razão do grande paradoxo existente entre a imagem divulgada lá fora, de cidade ecológica e de uma população ambientalmente conscientizada, e a realidade aqui vista a olho nu. E isto aconteceu depois de o município haver sido autuado pelo IBAMA em razão das condições precárias e inadequadas em que se encontrava o local de disposição final dos resíduos sólidos. Não havia uma política que previsse os danos futuros que certamente afetariam o equilíbrio do meio ambiente da região. Em conseqüência desse fato houve a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o município, o IBAMA e o Ministério Público do Estado do Acre.

O projeto, inclusive, foi tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do grupo de trabalho do qual fiz parte no curso de Pós-Graduação em Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, das Faculdades Integradas de Várzea Grande (MT) – FIVE. Junto comigo trabalharam os pós-graduandos Rubensleno Moreira, Queila de Freitas e Vera Lúcia da Costa Chaves, sob orientação do professor Euzébio de Oliveira Monte.

Até meados do ano passado, denúncias de vereadores, exigindo a intervenção do Ministério Público Estadual na forma com que a prefeitura estava cuidando do aterro sanitário, indicavam que a participação do município de Xapuri nesta experiência amazônica, em seu caso particular, se convertia em verdadeiro fracasso. O projeto havia sido praticamente abandonado e a área de deposição dos resíduos voltara a se transformar em um mero lixão.

Apesar de ser uma pequena cidade, com menos de 14 mil habitantes, Xapuri enfrentava há muito tempo os problemas causados pela disposição inadequada dos resíduos sólidos produzidos na zona urbana. O excesso de urubus, em decorrência do acúmulo de lixo a céu aberto nas proximidades da pista de pouso da cidade, chegou a derrubar um avião na década de 90. A distância entre o lixão e a fonte de captação de água do Deas – Departamento de Águas e Saneamento – também não era superior a 500 metros.

O envolvimento da comunidade e o pacto firmado entre Ministério Público, prefeitura Municipal e IBAMA fizeram com que o município de Xapuri passasse a tratar a limpeza urbana como uma questão prioritária de política pública, respondendo às exigências acordadas no Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta, firmado com o fim de por fim aos lixões a céu aberto e à mão-de-obra insalubre gerada por esses espaços atingindo principalmente crianças e adolescentes. Como resultado desse engajamento social, foi construído o Aterro Sanitário de Xapuri.

Passados 6 anos da implementação do Projeto de Gestão Integrada Resíduos Sólidos em Xapuri, os resultados práticos têm se mostrado totalmente inversos àquilo a que o projeto se propôs, de testar processos e formas adequadas para enfrentar os graves problemas ambientais e de saúde resultantes da geração do lixo urbano. Apesar dos recursos oriundos do Ministério do Meio Ambiente para a construção e funcionamento do Aterro Sanitário, esse empreendimento não está fornecendo respostas satisfatórias à principal exigência do Programa Lixo e Cidadania, que é a extinção dos lixões nas cidades brasileiras e a retirada das crianças catadoras de lixo desses espaços insalubres e dar-lhes uma nova alternativa de colocação social. Deve-se considerar que no caso de Xapuri, a presença de crianças catadoras de lixo não acontece de forma relevante.

O espaço que foi destinado à implantação do Aterro Controlado de Xapuri, localizado na Estrada da Variante, a cerca de 10 quilômetros da zona urbana, tornou-se, em contra-senso aos investimentos e mobilização de diversos segmentos da sociedade despendidos com a sua idealização e efetivação, um mero lixão nos mesmos moldes do que foi desativado na Estrada da Borracha, a poucos metros do perímetro urbano, e que se caracterizava por ser um grande causador de impactos ao meio ambiente, de ameaça à saúde pública e de perigo à aviação, por ser localizar nas proximidades da pista de pouso da cidade. O sério problema ambiental apenas mudou de endereço, continuando a oferecer riscos ao equilíbrio natural e à saúde pública, com um agravante de enorme relevância: pela proximidade com as fazendas de gado bovino, com freqüência, os animais penetram no lixão para se alimentar de resíduos, o que pode significar uma nova ameaça à saúde pública, por se tratar de gado de corte e leiteiro, cujos derivados têm como destino final a mesa do consumidor.

Quais seriam os fatores que estão contribuindo para que a política pública de cuidado prioritário com o lixo, estabelecida a partir da criação do Fórum do Lixo e da Cidadania, tenha sido lenta e gradualmente abandonada pelo poder público municipal? Em que ponto e em que intensidade, a comunidade e seus representantes estão se omitindo às suas responsabilidades assumidas à época das discussões atinentes a implantação da experiência-piloto de Xapuri? Qual o grau de preocupação existente por parte dos poderes constituídos, como Ministério Público, Câmara Municipal de Vereadores e IBAMA, atores do pacto firmado no início do projeto e que na atualidade demonstram ignorar o grave problema ambiental que está se estabelecendo em Xapuri em razão do não cumprimento das metas impostas pelo projeto? São questionamentos que exigem a apresentação de respostas plausíveis, face à reconhecida importância do problema, do ponto de vista ambiental e social.

Os estudos mostram que as mudanças na política de gestão do aterro sanitário e o conseqüente abandono dos objetivos do PGIRS se deram a partir da transição entre os dois últimos governos municipais, ou seja, a partir do ano de 2005. No decorrer desse ano, o município de Xapuri deveria estar trabalhando na confecção do projeto relativo à segunda fase do empreendimento, a ser apresentado ao Ministério do Meio Ambiente como requisito para acessar os recursos que seriam destinados à implantação das unidades de queima do biogás gerado pela decomposição dos resíduos sólidos enterrados e das lagoas anaeróbias. O não cumprimento dos prazos impostos pelo ministério para a apresentação do projeto impossibilitou a continuidade dos investimentos. Xapuri foi o único dos 10 municípios participantes da experiência-piloto do Ministério do Meio Ambiente a não acessar os recursos. Há a necessidade urgente de se reformular e apresentar, em regime de urgência, o projeto relativo ao aterro de Xapuri para que, mesmo com atraso, esses recursos possam ser garantidos para a continuidade do projeto.

As divergências político-ideológicas, intensamente acirradas após o último pleito eleitoral, figuram, em tese, como mais um fator que tornou difícil o desenvolvimento das ações conjuntas que tinham por fim atingir as metas estabelecidas pelo projeto. O novo governo demonstrou, logo de princípio, uma significativa dificuldade em trabalhar a continuidade de projetos herdados em andamento, principalmente aqueles relacionados ao meio ambiente, situação agravada pela insistência em abrir mão do diálogo e da cooperação, elementos tão essenciais para o sucesso de um empreendimento de caráter participativo. O afastamento dos participantes compromissados com a execução do Plano de Gestão de Resíduos Sólidos culminou com a conseqüente desarticulação desses segmentos, do ponto de vista de suas participações individuais. O projeto voltou a ser de exclusivo domínio da administração municipal, e esta, em desacordo com o Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta firmado com o Ministério Público, optou por relegá-lo a um plano secundário.

Por outro lado, o silêncio e a resignação dos poderes constituídos diante do agravamento do problema ambiental, têm contribuído para a acomodação da comunidade, principal prejudicada com a situação. A confirmação desses fatores, como causadores do quadro que se apresenta, deverá ensejar a convocação de audiência pública com o objetivo de trazer à cena novas discussões acerca de toda a problemática gerada pelo literal abandono a que foi submetido um projeto de incalculável alcance ambiental, social e cultural. Tal medida poderá proporcionar, a bem de toda a sociedade atual e futuras gerações, uma cidade bem mais humana, em que se possa viver de forma harmoniosa com a natureza.

Problemas ambientais, como os provocados em Xapuri pela má gestão ambiental, podem tomar dimensões graves a partir do momento em que suas conseqüências futuras não são calculadas. Assim aconteceu com o funcionamento de uma draga de extração de areia, no Rio Acre, que tempos depois ocasionou o desaparecimento da Praia do Inferno, de considerável potencial turístico pela rara beleza que apresentava. Atualmente, esse problema está sendo multiplicado e atingindo de forma indireta a população do bairro Bolívia, situado na margem do mesmo rio, um pouco abaixo do local de exploração de areia para fins comerciais, que ameaça desabar em virtude do intenso tráfego de caminhões basculantes que provocam a aceleração do processo de erosão naquela localidade.

No caso do lixo, as conseqüências podem não ser imediatas, mas são infalíveis. Um exemplo disso é o que aconteceu com o histórico igarapé Braga Sobrinho, que entre outros fatores, foi sufocado pelo acúmulo de lixo acumulado em suas margens e leito, principalmente de resíduos de uma madeireira instalada nas suas imediações. O processo de degradação foi lento, mas inexorável. Daí a importância da produção de informações que proporcionem uma completa reflexão da importância da continuidade do PGIRS, como também a criação de novas alternativas para a melhor destinação possível para os resíduos sólidos como, por exemplo, reduzir ao mínimo sua geração, aumentar ao máximo a reutilização e reciclagem do que foi gerado, promover o depósito e tratamento ambientalmente saudável dos rejeitos e universalizar o atendimento dos serviços para toda a população e para todo o tipo de resíduo.

Na atualidade são poucas as fontes de informações disponíveis à população local acerca de problemas ambientais tão próximos que, na grande maioria das vezes, passam despercebidos pelo público local, mas que estão bem próximos a nós. Produções científicas acerca desses potenciais impactos à natureza são extremamente necessárias para que seus futuros efeitos sejam mensurados e prevenidos. Servirão também de estímulo para novas produções, relacionadas aos mais diversos campos da pesquisa e do conhecimento.

Nessa perspectiva, é dever do cidadão, bem informado e capaz, buscar soluções para a indiferença governamental. A carência de recursos humanos e financeiros não podem ser motivos para não se produzir novos conhecimentos e informações para equipes de técnicos e funcionários municipais, para os administradores, segmentos diversos da população e empreendedores locais. Insere-se numa perspectiva mais ampla de compromisso com a preservação dos recursos naturais e com a qualidade de vida a partir de um processo participativo e democrático.

A discussão sobre a temática relacionada à questão da destinação correta dos resíduos sólidos tem sido abordada com muito mais intensidade nos últimos anos, principalmente depois que a comunidade científica mundial passou a chamar a atenção para os efeitos que estão levando o planeta a vivenciar perspectivas alarmantes quanto ao futuro da humanidade e das demais espécies vivas em virtude do fenômeno que ficou mundialmente conhecido como Aquecimento Global. As discussões envolvem pesquisadores, cientistas, políticos e até parte da população mais esclarecida, que tem buscado, embora muitas vezes em vão, encontrar alternativas para a deposição destes resíduos com significativa redução dos impactos causados durante anos de consumismo desenfreado e exploração irracional dos recursos naturais.

Nenhum comentário: