sábado, 17 de maio de 2008

Correlações e causalidades

Luciano Pires

Você sabe qual é a diferença entre correlações e causalidades? Não? Você não está sozinho. A maioria das pessoas confunde uma com a outra.

Correlações acontecem quando as coisas se relacionam. Por exemplo, o Zé adora a festa junina da igreja. Ele vai vestido de caipira e com uma barba desenhada com carvão. E se mata de dançar e comer batata-doce. E então fica como um zepelin: grande, gordo e cheio de gás. Tanto a festa junina como a roupa de caipira, a barba de carvão, a dança e a batata-doce têm a mesma correlação com os gases do Zé. Mas não têm a mesma relação de causalidade.

A causalidade está entre a batata-doce e os gases. Se o Zé comer batata-doce numa festa italiana ou numa praia ou em casa em frente à televisão, terá gases. A batata-doce causa gases. “Se eu fizer isso, acontece aquilo”. Isso é ciência. Isso é causalidade.

O problema é que a maioria das pessoas não se dá ao trabalho (ou não tem capacidade) de pensar para entender essas relações. No Brasil (e não só aqui), a turma sai dizendo que festa caipira dá gases. Que roupa de caipira dá gases. Que pintar barba com carvão dá gases. Que dançar dá gases. E tem neguinho tentando convencer neguinho que soltar gases provoca festas caipiras...

Isso acontece por ignorância, má fé ou estratégia política / comercial.

O pessoal da propaganda, por exemplo, é mestre no assunto. Quando você liga a televisão e vê o anúncio irresistível daquele aparelho “Ab-dane-se” para abdominais, não dá vontade de comprar na hora? E quando recebe o pacote em casa e lê o manual, você sempre encontra a recomendação de que o aparelho “funciona melhor se você regular a alimentação e realizar exercícios físicos freqüentes”. Pois é. O Ab-dane-se tem correlação com a perda de peso. Mas a causalidade da perda de peso é a regularização alimentar e os exercícios físicos. No entanto está lá na televisão: compre já nosso produto milagroso e perca 7 quilos em 2 dias... Só trinta minutos diários... Correlação transformada em causalidade pra meter a mão em seu bolso.

Igual àquele gordinho feio tomando cerveja na praia e rodeado de boazudas. A cerveja, a praia e o mar têm correlação com as boazudas. Mas a propaganda transforma a correlação que importa em causalidade: tome esta cerveja que você ganha as gostosas! Percebeu?

Em política é a mesma coisa. Lembra quando a ex-ministra do meio ambiente Marina Silva mostrou a correlação das políticas adotadas pelo governo com a redução do desmatamento na Amazônia? Mostrou como se esta fosse causada por aquelas. No entanto, a causalidade era a redução dos preços internacionais da carne bovina. Quando o preço internacional subiu, o desmatamento recomeçou com a mesma fúria anterior. E não houve política que o segurasse.

Quer mais? Quando a justiça ordenou a prisão preventiva do pai e da madrasta da menina Izabella Nardoni, o fez porque ambos estavam tão correlacionados com o crime que se tornaram suspeitos. Mas o povo, alimentado pelo espetáculo da mídia, entendeu como causalidade. Se foram presos preventivamente é porque cometeram o crime. São culpados. Taca pedra neles...

Mas e se forem? “Se”... Por causa do “se” consideramos que todo homem de saia é gay. Que toda mulher dirige mal. Que todo político é ladrão. Que todo empresário é explorador. Que todo pobre é honesto.

Entender as correlações não significa entender as causas do comportamento.

Portanto preste muita atenção nos discursos dos educadores, dos políticos, dos jornalistas, das autoridades e dos vendedores que confundem correlações com causalidades.

Eles querem influenciar suas decisões.
Eles querem determinar seu futuro.

Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista, e lidera o Movimento pela Despocotização do Brasil. Leia mais no Café Brasil.

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