domingo, 29 de junho de 2008

Poesia Matemática

Millôr Fernandes

Às folhas tantas do livro matemático um Quociente apaixonou-se
um dia doidamente por uma Incógnita.

Olhou-a com seu olhar inumerável e viu-a do ápice à base uma figura ímpar; olhos rombóides, boca trapezóide, corpo retangular, seios esferóides.

Fez de sua uma vida paralela à dela até que se encontraram no infinito."Quem és tu?", indagou ele em ânsia radical.

"Sou a soma do quadrado dos catetos. Mas pode me chamar de Hipotenusa."

E de falarem descobriram que eram (o que em aritmética correspondea almas irmãs) primos entre si.

E assim se amaram ao quadrado da velocidade da luz numa sexta potenciação traçando ao sabor do momento e da paixão retas, curvas, círculos e linhas sinoidais nos jardins da quarta dimensão.

Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana e os exegetas do Universo Finito.

Romperam convenções newtonianas e pitagóricas. E enfim resolveram se casar constituir um lar, mais que um lar, um perpendicular.

Convidaram para padrinhoso Poliedro e a Bissetriz. E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro sonhando com uma felicidade integral e diferencial. E se casaram e tiveram uma secante e três cones muito engraçadinhos.

E foram felizes até aquele dia em que tudo vira afinal monotonia. Foi então que surgiu O Máximo Divisor Comum freqüentador de círculos concêntricos, viciosos. Ofereceu-lhe, a ela, uma grandeza absoluta e reduziu-a a um denominador comum.

Ele, Quociente, percebeu que com ela não formava mais um todo, uma unidade. Era o triângulo, tanto chamado amoroso. Desse problema ela era uma fração, a mais ordinária.

Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade e tudo que era espúrio passou a ser moralidade como aliás em qualquer sociedade.

Texto extraído do livro "Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954.

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