sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Chico da Floresta

José Augusto Fontes

O mote do seringueiro é a esperança de semear a vida

É um bom sentido do viver na soberana moldura verde

O látex da questão ideal não é ser contra isso ou aquilo

Mas a favor de respirar profundo, de um cultivar perene

Nada fácil nem dócil, o prazer da conquista está na luta

Tudo simples, como o amor à sombra de uma samaúma

Como percorrer um varadouro, todo dia a labuta solene

Na ferida cortada, a semente do Chico reproduz a verve

Mateiro, castanheiro, velho e rapaz, poesia de todo estilo

Passou a ver a floresta, a entender o gene, sentir a bruma

Abraçou a causa, a mensagem; proseia e saboreia a fruta

O rio da vida prossegue, e o mote do seringueiro o imita

Faz que passa, e permanece aqui, ali, remanso e espuma

O balseiro não segura a onda, um rio rega, nada se perde

Gente do mato, bichos da lua, um sol plantado na aldeia

A floresta semeia, o sonho corre pelas veias, e ressuscita

Os olhos do mundo se abrem para um grito, para a idéia

A seiva corre matas e águas, espreme os ventos, acredita

Desperta a flor dos sentimentos, é encanto, é força e filho

Multiplicação. Vai passando da vida, vai vencer o porvir

A História, o tempo, a escolha simples é gesto de empate

Jeito de viver, de seguir, a bubuia, um deixar fluir, aquiri

Renasceu, colhe-se acalanto, o canto ecoou sem desmate

Nada dissolve a marcha, o tiro lancinante gerou estribilho

A mata recebeu cada lágrima, floresceu e propagou a vida

O sonho navega nos estirões, viaja pelos olhos, vive aqui

Se estica nas altas castanheiras, lança certeza e desnorteia

Toda emoção escorre devagar, feito látex nas seringueiras

Toda borracha tenra pode endurecer, sangrar, gerar, parir

Doce rapadura, mel de dureza, gente sofrida, olho risonho

Gente boa de beiras de rio, de aliança, de alegrias faceiras

Orgulhosa da simplicidade, do compromisso tão fascinante

O mote do seringueiro é a esperança, na beira de um sonho.

O acreano José Augusto Fontes é poeta, cronista e juiz de direito. O poema foi postado ontem, quinta-feira, no blog do jornalista Altino Machado.

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