sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Mundo cinza

Luciano Pires

É cada vez mais difícil tomar posição sobre as grandes questões em debate na sociedade. Ambientalistas x desenvolvimentistas, criação x evolução, esquerda x direita, ciência x religião... Todo mundo tem certeza, todo mundo tem razão. A gente lê uma argumentação brilhante e concorda com ela. E – graças à internet - segundos depois lê uma contra-argumentação tão brilhante quanto e também concorda com ela.


Dá a impressão que antigamente as coisas eram mais claras. De que havia o preto e o branco, o bem e o mal e não era difícil escolher de que lado ficar. Mas será que essa “facilidade” acontecia por serem as coisas, digamos, mais simples? Ou será que antigamente, sendo mais jovens e inexperientes, nosso repertório, nosso conhecimento, nosso raciocínio é que era simplório e escolhia de forma superficial, pelas aparências? Conforme vamos evoluindo, ouvindo e lendo mais, refinando nossa capacidade de análise crítica, reparamos nos detalhes sutis, entendendo as argumentações sofisticadas e a multiplicidade de pontos de vista. E o que era preto ou branco – pela certeza da ignorância - fica cinza...

Por exemplo, a Colômbia acertou ou errou quando invadiu o território do Equador para liquidar os terroristas das FARC? Em minha opinião a Colômbia errou. Quebrou um princípio básico: invadiu a casa do vizinho. Isso não se faz, é um ato de violência, passível de retaliação. Mas em minha opinião a Colômbia acertou: eliminou os terroristas que estavam seqüestrando, matando e ameaçando um governo eleito democraticamente. Mesmo que para isso tivesse que invadir a casa do vizinho. Portanto, tenho que condenar a Colômbia. Mas não me atrevo a censurá-la. No lugar de Uribe eu faria a mesma coisa.

É o velho choque entre princípios e pragmatismo. Quem estuda política está familiarizado com essa discussão.

Princípios ou crenças e valores constituem a base que suporta as ações de um indivíduo. São como filtros que determinam aquilo que entendemos como certo, correto, justo e leal. Esses filtros são desenvolvidos ou inibidos conforme nossa educação, na família principalmente, pelos exemplos de nossos pais e das pessoas que estão próximas enquanto crescemos. Por exemplo, tenho como princípio não roubar. Qualquer ação que eu decidir praticar tem que estar de acordo com esse princípio e não admito deslizes. É claro e simples assim.

Mas então surge o pragmatismo, o ponto de vista que subordina a verdade à utilidade. Não roubo, por princípio. Mas se a vida de meu filho depender de eu roubar, vou roubar sim. Você pode até dizer que isso é compreensível, que o princípio do roubo foi atropelado por um princípio mais forte: o da preservação da vida. Mas a minha decisão terá sido pragmática.

O caso das pesquisas com as células-tronco envolve o mesmo conflito entre princípios e pragmatismo. A legalização do aborto. E a questão do aquecimento global também. Lula abraçado a Sarney ou Collor é um exemplo do pragmatismo que se sobrepõe a princípios. Todo aquele discurso idealista da esquerda cai por terra assim que ela assume o poder. Muitos dirão que Lula está errado ao trair seus princípios. Outros dirão que se ele não agir assim, não governa: para exercer política é necessário ser pragmático. E então passamos a aceitar certos deslizes como sendo “parte do jogo”. Deixamos de lado nossos princípios em nome do pragmatismo.

Esse é o momento em que a luz de alarme deve ser acesa. Afinal, o que é que você leva em consideração para escolher um amigo ou eleger um político? Os princípios ou pragmatismo dele?

Pois é... Não existe mais preto ou branco. O mundo ficou cinza.

Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista.

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