domingo, 28 de dezembro de 2008

Sobre alianças, democracia, suplência e a Justiça

Leonildo Rosas

A maior construção política da história acreana foi a Frente Popular do Acre (FPA). Digo isso porque, até 1990, os partidos tinham como prática concorrer com candidatos próprios sem a preocupação com a formação de alianças capazes de lhe assegurar vitórias eleitorais. O partido ganhava sozinho e governava na mesma solidão.

Há 18 anos, o país tinha acabado de sair de uma ditadura militar, que cerceou a democracia por mais de 20 anos. Nesse período, as eleições que havia para o Parlamento fortaleceram o bipartidarismo, representado pela Arena e o MDB, agremiações que contavam com filiados da situação e da oposição consentidas.

No Acre, os governadores da Arena nomeados pelos presidentes da República ditaram os nossos destinos até 1982, quando foi realizada a segunda eleição da nossa história. O peemedebista Nabor Júnior venceu o pedessista Jorge Kalume e foi eleito democraticamente para governar o Estado.

Democracia no Acre é coisa nova. Faz menos de 30 anos que passamos a ter o direito de eleger nossos governantes. Em mais de 100 anos de história, tivemos apenas sete governadores eleitos democraticamente pelo voto.

A falta de práticas democráticas começou desde a nossa origem. Os acreanos que lutaram contra os bolivianos para transformar esta região em terras brasileiras não respiraram os ares democráticos em nenhum momento. Logo após a anexação deste pedaço de terra amazônico, o governo federal criou o monstrengo jurídico chamado Território Federal.

Às pessoas que moravam no Território Federal eram negados os mais elementares direitos à democracia. O Território Federal unificou os descontentes em torno de uma nova causa: a autonomia, que só foi conquistada no dia 15 de junho 1962, quando o Acre foi transformado em Estado e ganhou, no papel, a autonomia política, administrativa e financeira.

A transformação do Território Federal em Estado trouxe uma democracia, que teve vida curta. Em 1964, os militares tomaram o poder em nível nacional. No Acre, professor José Augusto de Araújo, o primeiro governador eleito, foi deposto, e em seu lugar assumiu o militar Edgar Cerqueira, que contou, inclusive, com o apoio da maioria dos deputados com assento na Assembléia Legislativa.

É bom retornar na história, falar de bipartidarismo e da falta de democracia para entender o porquê de a FPA ser uma construção tão moderna e avançada para sua época. Foi por meio dela que se pôs fim à disputa de apenas dois partidos no Acre. Foi a partir dela que os partidos ditos de esquerda começaram a sonhar ter perspectiva e chegaram ao poder.

Até as eleições de 1990, os chamados partidos de esquerda entravam no processo eleitoral meramente para marcar posição. Os candidatos majoritários tinham resultados eleitorais pífios e as raras vitórias dos proporcionais eram comemoradas como se fosse marcado um gol de placa.

Em 1990, o resultado foi diferente. Muito provavelmente porque o sentimento de acreanidade falou mais alto contra o discurso ufanista do mineiro Rubem Branquinho ou contra o desgaste do PMDB, que estava no segundo mandato e indicou como candidato o fraco Osmir Lima.

Mas, embora tenha sido um ano importante, não foi em 1990 que os partidos de esquerda conseguiram ganhar o governo. Talvez tenha sido melhor assim. A vitória sorriu para o então deputado Edmundo Pinto, um político com profundas relações políticas com a Arena, que passara a se chamar PDS.

Aquela, muito provavelmente, talvez tenha sido a derrota mais comemorada da história política do Acre. Pela primeira vez um candidato do PT conseguiu levar a disputa para o segundo turno. O jovem engenheiro florestal Jorge Viana acabara de trazer para dentro da esquerda acreana a política aliancista. Política essa que dera resultado.

A política de alianças foi importante porque as divergências estudantis, sindicais e românticas, que sempre marcaram os partidos de esquerda, cederam espaço para o projeto maior de chegar ao poder e assegurar o controle do Estado. A FPA nasceu dois anos após a morte de Chico Mendes, um homem à frente do seu tempo. De certa forma, a coligação também deu certo porque estava à frente do tempo político em que o Acre vivia. Era um tempo em que os interesses e negócios pessoais sobrepunham os coletivos. O pessoal da Frente Popular chegou com uma proposta nova, que foi assimilada e aprovada pela maioria da população.

Hoje, passados 18 anos, a coligação começa a dar demonstrações de velhice precoce. Práticas antes abominadas começam a ser encaradas como normais e aceitáveis. Quase tudo passou a ser permitido e tolerado sobre o argumento de que é o melhor para o Acre e os acreanos.

Jovens que acreditavam na revolução pararam no tempo e esqueceram-se de fazer a revolução interna nos seus conceitos. Os cargos e o acúmulo de poder são danados para impedir que os poderosos enxerguem seus erros.

Os partidos que compõem a FPA, como PT, PC do B e PSB, que formam o núcleo mais ideológico da aliança, cresceram porque se juntaram a outras agremiações maiores ou menores. Sozinhos, certamente ainda estariam patinando em suas convicções filosóficas e sectárias.

Foi preciso ceder ideologicamente para conquistar o Estado. A perspectiva de crescimento coletivo foi o que manteve a FPA unida e em constante processo de conquistas eleitorais em todos os níveis. Desconsiderar tal fato é cometer um erro histórico e imperdoável.

Nesses 18 anos, todos os partidos cresceram. O PT, por ser uma agremiação que sempre emprestou seus quadros para as disputas majoritárias, cresceu mais do que os outros. É a legenda detentora do governo do Estado, da maioria das prefeituras, do maior número de senadores, deputados estaduais, deputados federais e prefeitos.

O mesmo PT que tinha resultados eleitorais pífios e risíveis até 1990 é, em menos de duas décadas, a maior força política e eleitoral do Estado. Tanta potência, no entanto, não foi conquistada sozinha. Dificilmente o partido teria obtido tanto sucesso se continuasse fazendo uma política estreita e sem aliança com forças muitas vezes completamente destoantes na ideologia.

O que tornou o PT forte foi o discurso bem fundamentado em favor da causa do Acre. Foi isso que atraiu políticos de todas as matizes e ganhou a simpatia da maioria da população. Agir de forma arrogante, agora, é começar a jogar as primeiras pás de cal nos sucessivos processos vitoriosos.

É necessário afirmar que foram as alianças que garantiram o sucesso da FPA para comentar o que está acontecendo na Assembléia Legislativa, onde o PT e seus suplentes recorreram à Justiça para assegurar mandatos que, em tese, pertencem a suplentes de outras agremiações aliadas.

Desde o ano passado, vem se arrastando na Justiça Eleitoral uma disputa envolvendo o petista Merla Albuquerque e o atual deputado Josemir Anute (PR), que assumiu o mandato deixado pela ex-petista Naluh Gouveia para tomar posse como Conselheira do Tribunal de Contas do Estado.

Numa decisão recheada de controvérsias, a Justiça Eleitoral acreana entendeu que o mandato de Naluh Gouveia pertence a Merla Albuquerque. Josemir Anute recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral e se mantém no cargo por meio de uma liminar. Merla Albuquerque não atacou apenas numa frente. Semana passada, o desembargador Feliciano Vasconcelos concedeu liminar assegurando que o mandato do também petista Juarez Leitão, que tomará posse como prefeito de Feijó no próximo dia 1º de janeiro, também é do PT, embora não haja qualquer resquício de infidelidade nesse caso.

O fato grave nessa decisão de Feliciano Vasconcelos é que a ação requerendo o mandato foi ajuizada por um advogado contratado pelo PT. Tal decisão partidária sinaliza que os petistas não irão querer, a partir de agora, firmar alianças proporcionais com os demais partidos da FPA. É provável que, doravante, saiam com chapas próprias. É isso que dá para entender.

O PT ou qualquer partido com acúmulo de poder tem que aprender a queimar gorduras com os demais aliados. Focar apenas nos interesses partidários dá margem para as mais diversas interpretações e espanta aliados.

É complicado quando os partidos saem do campo político para buscar mandatos na esfera judicial contra aliados. É preciso tirar lições do passado. Afinal, a mesma Justiça que deu o mandato a um petista é a que, em 2002, cassou a candidatura à reeleição do ex-governador Jorge Viana.

A cassação de Jorge Viana uniu o Acre e transformou uma eleição difícil numa mera formalidade eleitoral. Não dá para ficar cegos, surdos e mudos diante do que está acontecendo. A Justiça é cega. A mesma cegueira não pode ser imputada à população e aos políticos.

É preciso respeitar a vontade das urnas. Quando entrou na Justiça requerendo um mandato que, em tese, pertence à coligação, o PT voltou a ser pequeno. Regressou a um gueto perigoso, que põe em risco projetos futuros. Afinal, doravante, quem vai querer aliança com os petistas?

A FPA caminha para a maioridade. Quem vai chegando à idade adulta tem que, por necessidade, tomar decisões adultas. Em 1990, Jorge Viana chegou ao segundo turno com o discurso de que o Acre teria jeito. Ao se eleger governador por dois mandatos, o engenheiro florestal demonstrou que não tinha apenas discurso. Realmente o Estado tomou jeito de Estado.

A FPA, assim como o Acre, tem jeito. Mas, se não se ajeitar e permitir que a política de alianças seja deixada de lado, corre o risco de entregar o melhor lugar para se viver na Amazônia a partir de 2010 nas mãos dos adversários. E ficar assistindo do lado de fora não é nada bom.

◙ Leonildo Rosas é jornalista e assina a coluna Poronga, no jornal Página 20.

Um comentário:

Rubens disse...

Claro, profundo e certeiro. Um ótimo presente de final de ano.