quinta-feira, 19 de março de 2009

Os cães passam e a caravana ladra

Tomo emprestado no blog do Altino Machado esta excelente crônica de Leila Jalul:

Por motivos de força maior, felizmente uma virose nas aéreas superiores, fiquei a ver a roda do mundo girando, girando, girando, até entontecer. E, pior, entontecer sem uma única latinha da minha preferida. Já está passando e nem ladrei.

Comecei por ver o excomungador do futuro, reacionário, estúpido e malfazejo lá das bandas de Recife e Olinda. Mais um vexame da apostólica romana, despreparada, obtusa e de viseiras para a o desenvolvimento do mundo. Também pudera, seu já muito reduzido cast engloba uma porção significativa de praticantes de sexos com anjos, aqui e alhures.

Acentuando mais ainda a grande hipocrisia, lá se vai o grande mentecapto e ariano da nada Santa Sé declarar, em plena África, que o uso de camisinhas, ao contrario de evitar a contaminação da AIDS, provoca efeitos mais nocivos. Penso eu que esta prosaica declaração é resultante de pesquisas realizadas nos porões do Vaticano. Ciência sagrada, pois. Ciência sem probabilidade de erros, pois.

Felizmente a igreja católica está em vias da bancarrota. Não me causa dó. Louvo as baleias, os peixes-bois e as araras azuis. Se elas forem salvas me darei por feliz.

Ainda no repouso da afonia descubro, aqui onde moro, uma penca de pastores evangélicos que inventaram o trízimo. Não é mais dízimo. É trintão por cento do que a classe pobre e ignóbil está pagando para alimentar o condutor de ovelhas das burras e inocentes almas. Estelionatários da fé. O difícil é escolher entre o excomungador e teólogo que faz apologia do atraso da ciência e o cobrador do trízimo. Que o fogo do inferno lhes seja suave.

Hoje, já com um pouco mais de voz, nariz desentupido, leio, releio e vejo e revejo o vídeo gravado com um desabafo do meu velho amigo Abrahim Maluf Farhat, mais conhecido por Brachula ou Lhé. O meu querido Lhé, cujo único pecado é ser primo do Paulo Maluf, está albinizado pelo vitiligo.

É um lutador da causa palestina e das causas acreanas. Parece uma figurinha folclórica, jeitão de andarilho, alpercatas nos pés, quase sempre de branco. Às vezes gozado pelos intelectualóides, Lhé carrega em seu peito a vontade de ver justiça nos bairros, nas esquinas, nas ruas. Um mundo azul, digamos assim.

Amigo de Lula desde que o PT era PT, está desiludido com as mudanças de rotas. Lhé esqueceu de mudar junto, daí a desilusão. Embora não admita que o poder já corrompeu o que ele achava incorruptível, espero que Lhé passe a entender que os puristas são maçãs podres e dispensáveis na nova era.

Que sonhe com o tempo passado, de lutas e passeatas, prisões e mortes, sem perder o prumo e a constatação que o PT não é mais aquele PT e, embora com quase 30 anos, está eivado de vícios seculares, tanto quanto os outros, ou até mais. A palavra de ordem agora é outra. Os quadros novos anularam os que abriram caminhos.

Acho que foi Ruy Barbosa quem falou a seguinte frase: burro é quem pretende se manter estático diante de um mundo de constantes renovações (mais ou menos isso). Que Lhé se renove pode até ser necessário, desde que não absorva e saboreie carniças junto com os abutres.

Há gente boa no meio dessa revoada de jacus. Se tiverem inteligência, podem e devem prestar uma atençãozinha aos reclamos, resmungos, denúncias e críticas destacadas pelo velho companheiro Lhé.

Agora vou comer meu pão sírio com azeite extra virgem, zata e dois dentes de alho. Só para lembrar do Lhé e ajudar na cura da virose. E ademã que eu vou em frente. A semana foi cheia, os cães estão passando e a caravana ladrando.

◙ Leila Jalul é cronista acreana

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