domingo, 14 de março de 2010

Declínio

José Cláudio Mota Porfiro

Foi por aquele tempo da morte do Coronel Plácido de Castro que chegou ao Acre o bom João Veloso, acompanhado da jovem esposa, Doninha, com uma pequena fortuna no alforje, deixada pelo pai, um próspero comerciante de Araripina, sertão pernambucano, que havia morrido de uma febre dessas que leva o sujeito em três ou quatro dias.

Já nos estertores, o velho, de uns cinqüenta e poucos anos, disse-lhe entre lágrimas tardias e as mãos nas mãos do filho único:

- Vá, meu filho. Esse lugar não é seu. Vejo muita tristeza nos seus olhos. Você é muito jovem e não merece ficar à mercê das saudades minha e da sua mãe que também já não é deste mundo. Suba no rumo do Belém do Pará, desça pelo Amazonas, entre pelo Purus e, depois, pelo Rio Acre, até um povoado chamado Xapuri. Lá você encontrará um primo meu de nome Vicente Invenção Pereira, um pequeno comerciante de couros e peles de animais silvestres. É um sujeito muito decente. Venda tudo o que temos por aqui e, lá, você e ele saberão o que fazer com o dinheiro que será seu... – Foram as últimas palavras de Miguel Marcelino Pereira, um cabra trabalhador que ganhou a vida debaixo de um sol de rachar, carregando cana, puxando bagaço e, depois, vendendo a preço baixo açúcar, mel, rapadura, alfinin, sal, farinha, arroz, feijão, jabá, pano, linha, agulha, querosene, lamparina, arreios, folhetos de cordel, e mais um bocado de bugiganga própria para o consumo do povo do sertão.

Uma semana em Recife, seis dias de viagem de navio e mais uma semana em Belém foram o suficiente para contornar uns problemas com os documentos e com o dinheiro, uns três mil contos de réis... Uma fortuna que, junto com a muié, seriam defendidas, se fosse a ocasião, no arranco do parabelo ou na ponta do punhá, no dizer de João Veloso.

Dois meses de viagem, depois de Belém e, enfim, chegaram ao Xapuri, um povoado que não dispunha de mais de dez ruas, mas com um comércio rico, em vista da quantidade de borracha de que dispunha a região nas mãos de uns turcos e portugueses muito conscientes de que não era lá tão importante preocupar-se com a vida de um magote de sertanejos que chegavam para viver ou morrer.

Já do palanque, o simpático ancoradouro de Xapuri, João viu um homem moreno claro e de uma cabeça bem grande e bicuda no rumo da frente, como a sua. Ele se aprochegou e disse:

- Sou João Veloso Pereira, filho do Miguel Marcelino, de Araripina.

- Pois não é! Mais não me diga! A cara dum é o focinho do outro. E a cuma vai ele por aquelas bandas?

- Meu pai está morto e me recomendou lhe encontrar aqui e, para a minha sorte, nem foi preciso procurar!...

- Que tristeza! Como é que Deus leva um homem bom daquele. Se viesse para cá, ficaria rico, com o tino que tinha para os negócios. Minha Nossa Senhora! Meu São Francisco do Canindé!

- Ah, sim! Esta é Maria das Dores, a Doninha, com quem sou casado.

- Ah, pois bom! Sou Vicente Invenção, seu primo e seu criado... Mas vamos rumando lá pra minha casa.

A casa ficava ali perto, no fim da rua do comércio, depois da antiga Intendência Boliviana, ou Casa Branca. João e Vicente trataram de negócios na mesma noite e, no outro dia, já foram à casa do Coronel Vitorino Maia, herói da revolução contra os bolivianos, que, segundo souberam, não mais se sentia com coragem ou com forças para tocar o seringal São Pedro, ainda muito perigoso em vista da existência de alguns índios que até começavam a fugir para o Peru.

- É o Seringal São Pedro, no Rio Xapuri. Fica tudo dentro. Um barracão de palha, um armazém com alguma mercadoria, uma casa de farinha, uma moenda de engenho puxada a boi, um paiol, dezoito burros, catorze reses, algum criame e a terra que mede cento e quarenta e seis léguas em quadra. São sessenta e duas colocações que, com esforço, rendem mil e trezentos contos por ano. Quero dois mil e quinhentos contos de réis em tudo e vou embora pra Manaus na semana que vem mesmo.

Feito o negócio, foi passado e dado o recibo com selo assinado por João Castelo Branco, tabelião da comarca.

Passaram-se alguns tempos de muita labuta e muito lucro. Em dez ou doze anos, João multiplicou por muitas vezes o que trouxe da herança do pai. Trabalhava dia e noite, pois, agora, já contava com quatro filhos: Epitácio, Caboclo, Carmem e Nenen.

Veio-lhe, então, uma madrugada traiçoeira e a esposa morreu de uma asma contraída no eito enquanto, mesmo à noite, ajudava o marido a acumular a fortuna que crescia a olhos vistos.

A menina mais nova tinha seis anos e passou a ser cuidada por uma moça muito atenciosa que atendia pelo nome de Nazaré, filha mais velha de Francisco Abdoral, irmã de Marissanta e Belisária.

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