segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Desobediência civil e cidadania

João Baptista Herkenhoff
 
A desobediência civil é um dos mais eficazes instrumentos de defesa da cidadania.
Em face do tirano ou de atos tirânicos, a resposta da sociedade civil deve ser a desobediência coletiva. Gandhi deu um grande exemplo de exercício da desobediência civil. A Índia, fraca e indefesa, pela desobediência civil dobrou o orgulho do Império Britânico.

Depois, nos Estados Unidos, Luther King, com os instrumentos da desobediência civil enfrentou o racismo odioso e derrubou as leis de segregação racial.

A desobediência civil é sempre apropriada quando a luta individual é impotente para vencer a injustiça e o arbítrio.  Cabe, não só quando se defendem princípios como os que alimentaram a ação de Gandhi e de Luther King. Ali, onde se despreze a cidadania, onde se violem os direitos humanos, onde o Estado se pretenda onipotente, ali tem pertinência a desobediência civil.

A desobediência civil exige organização. Diante de um determinado caso concreto de abuso, será preciso que entidades civis e líderes sociais conclamem o povo para coletivamente desobedecer.

Para que esta reflexão não fique pairando no ar, vamos exemplificar com a hipótese de multas de trânsito lavradas atabalhoadamente, fato que ocorre de norte a sul do país.
O cidadão é notificado de que avançou um sinal, ou estacionou em local proibido, ou cometeu outra transgressão depois de transcorrido um mês do fato supostamente ilegal.
Como pode alguém se lembrar de fatos dessa natureza, já transcorrido tão longo tempo?
As pessoas lutam pela vida, enfrentam filas, sofrem danos nos seus veículos por omissão dos poderes públicos (buracos nas ruas e estradas). As pessoas não têm como única preocupação na vida as relações com Departamentos de Trânsito.

E que dizer dos motoristas profissionais, trabalhadores que prestam um serviço público da maior relevância, ganhando o pão com o suor do rosto, diante desse quadro? São os maiores prejudicados, surrupiados na sua modesta renda por força de sucessivas multas que não podem ser verificadas.

A notificação tinha de ser feita 24 ou 48 horas após a transgressão. Só assim seria possível ao cidadão constatar se realmente cometeu a infração, ou se a multa foi abusiva.
Muitos dos controles são hoje eletrônicos. E quem garante que os controles eletrônicos são perfeitos?

As multas, como têm sido sobejamente aplicadas, ferem o “direito de defesa” e agridem o “princípio do contraditório”, fundamentos do regime constitucional. Traem a lisura, a confiança e a honestidade que devem vigorar nas relações do Poder Público com o cidadão. Configuram uma situação que justificada e aconselha a desobediência civil.

João Baptista Herkenhoff, 75 anos, magistrado (aposentado) e professor (em atividade) na Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES). Autor, dentre outros livros, de Mulheres no banco dos réus (Forense, 2008), Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (GZ Editora, 2009) e Filosofia do Direito (GZ Editora, 2010). Membro da Academia Espírito-Santense de Letras e da União Brasileira de Escritores.

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