quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Prisão sem grades

Wando Barros

Desde os primórdios da humanidade alguma coisa une e torna essa humanidade portadora de algo comum, que nada mais é senão as diferenças existentes entre os seres humanos. É impossível pensar, e até porque não existe na natureza dois seres exatamente iguais. Mas algo impressionante e às vezes até inexplicável é que exatamente são as diferenças entre os indivíduos que os tornam próximos.

Mesmo sendo o único ser a possuir "inteligência", o homem tem-se mostrado ao longo de sua historia portador de uma fragilidade e imaturidade no trato com as diferenças. Para explicitarmos isso basta citar que durante um longo período, a deficiência foi vista como um castigo dos deuses, e o individuo portador de tal "mal" era alvo de comiseração, piedade e atitudes assistencialistas por parte do grupo ao qual estivesse inserido.

Durante o período que perdurou a Idade Média, mais precisamente durante a inquisição os portadores de deficiências eram queimados vivos na fogueira, por serem considerados aberrações genéticas, ou por contrariar as divindades, que à época eram muitas. Isto ocorria primeiro pelo despreparo da sociedade em cuidar dos diferentes, e em segundo e decisivo lugar naquela época os povos viviam em constante guerra, e cuidar de deficiente fosse de que grau fosse tornava-se um problema a mais. Então a solução era livrar-se do problema pela via mais fácil: a eliminação física.

Ao longo da história diversos termos tem sido usados para identificar essas pessoas diferentes. Dentre esses termos podemos citar: excepcionais, pessoas portadoras de necessidades especiais, ou pessoas portadoras de deficiência. O fato é que esses adjetivos ou rótulos transformam-se em cargas negativas que os mesmos tem que carregar por toda a sua existência. Isto aplica-se também a outras minorias tipos os homossexuais e negros. Quem nunca ouviu ou disse? Olha lá o ceguinho, cuidado com o aleijado, bicha, veado, negrão, etc. Convém, porém, que estejamos alertas para o fato de pessoas superdotadas, deficientes ou com algum problema de ordem emocional não venham a ser hostilizadas, segregadas e rejeitadas pela sociedade, baseado em prognósticos de cura impossível, quando na verdade o único mal que essas pessoas portam é o mal social.

Comumente o portador de deficiência é visto às vezes como herói, às vezes como marginal, oscila entre o semideus e o penalizado, quando na realidade ele necessita apenas de solidariedade e de oportunidades. Oportunidades essas que são, via de regra, negadas pelo seu grupo social através de varias barreiras, tanto arquitetônicas como atitudinais. Poucos são os prédios e locais públicos que oferecem condições de acesso para deficientes. Sem contar com a total falta de infra-estrutura, tais como banheiros adaptados, guia rebaixada, só pra ficar nesses exemplos, em que pese existir legislação pertinente ao assunto. Ocorre que o Brasil culturalmente não é lá muito dado a cumprir leis. Colocando dessa maneira o portador de alguma necessidade especial numa verdadeira prisão sem grades.

A escola que deveria agir como elemento de integração e de inclusão desses indivíduos. Como sempre, age de acordo com as regras do poder, do capital, em fim de acordo com qualquer coisa que ela tenha que reproduzir não levando em conta as diferenças ou mesmo as mazelas sociais dos grupos menos favorecidos.

A educação brasileira nunca teve grandes "auxílios" das elites privilegiadas. Toda mudança no sentido de melhorias para os portadores de necessidades especiais partiu de algum líder que possuía alguém em sua família ou em seu circulo de amizade que fosse portador de alguma "anomalia". Os grandes avanços tem sido conquistados e implementados pela sociedade civil organizada em associações ou através das ONGS, pra usar um termo mais em moda.

Há que se ter cuidado com a expressão educação especial, isso nos remete por analogia a um tipo de educação totalmente especial e por isso mesmo excludente, que foi o que aconteceu nos primórdios dos famosos institutos especializados em alguma deficiência. Esses institutos ao invés de socializar os indivíduos que deles faziam parte, acabavam agindo como verdadeiros nichos de exclusão.

Os veículos de comunicação de massa, a famosa "mídia" quando mal usados produzem grandes estragos, já que uma imagem diz muito mais que milhares de palavras. Geralmente as pessoas portadoras de alguma necessidade especial são mostradas por esses veículos trajando trapos, estão sempre sujas, isoladas do mundo ou fazendo alguma coisa pouco convencional, aumentando assim o estigma que naturalmente essas pessoas já carregam.

Portanto, o que mais magoa e dilacera um ser portador de necessidades especiais não é a deficiência em si, mas a maneira como sociedade lhe impõe certas regras nas quais ela não pode de forma alguma se adequar. A sociedade através de seus "aparelhos", quer ideológicos, políticos ou educacionais deveria lutar para unir ou aproximar as diferenças, transformando essas barreiras da diferença em uma ponte para a inclusão do individuo portador de necessidades especiais.

Wando Barros estava paraplégico faziam 12 anos quando passou para o outro lado no dia 22 de julho de 2006. Como lembrança e em homenagem ao grande Cacá, posto artigo que foi publicado no jornal Página 20 no dia 16 de dezembro de 2003.

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