domingo, 28 de outubro de 2012

Expulso da balsa

Altino Machado

Cansado, tentarei ser sucinto ao relatar minha curta viagem na lendária balsa dos derrotados.

Lembram quando Antônia Lúcia falou em overbook, na TV, durante a campanha eleitoral?

Foi o que aconteceu. A balsa, todos sabem, é estreita e havia muita gente para poucas vagas.

Acompanhado do Puma, meu fiel amigo, fui o primeiro a chegar na beira do Rio Acre para aguardar Tião Bocalom, capitão da balsa.

- Fi, não tem problema, pode levar o seu cãozinho. Também trouxe a vaca mecânica pra mostrá-la a alguns apoiadores que não acreditavam nela.

Passava da meia noite quando começou a primeira confusão, logo no embarque. O senador Sérgio Petecão se irritou quando passei a coleira em Puma e dei os primeiros passos sobre uma pinguela mais lisa que sabão.

- Você não pode embarcar com esse animal, Altino. Vou chamar o pessoal do Centro de Zoonoses da prefeitura. O meu anão Montana Jack é asmático e alérgico a pelo de cachorro.

Argumentei que a vaca mecânica também estaria entre os passageiros. Outros fizeram coro com o senador, mas embarquei assim mesmo.

Era mais ou menos 2 horas da madrugada quando a balsa partiu. Eu estava exausto, após um dia tão tenso, e não queria papo com ninguém.

Sentei sobre a mala, separei inseticida, água e farinha, e fiquei com o celular ligado até o sinal sumir. Pude acompanhar a euforia de meus amigos do 13 nas redes sociais e aproveitei para parabenizá-los.

Cheguei a ler que o prefeito eleito de Londrina (PR), Alexandre Kireeff (PSD), não possuía estrutura de campanha, apenas um carro de som. Não tinha bandeiras, nem cabos eleitorais. Segurou-se pelo discurso técnico, com a defesa da transparência.

Bem, antes do embarque, inventei de passar na Pizzaria do Patetão, onde comprei uma calabreza. Com fastio, comi um pedaço e cometi o que parece ter sido um erro: levei a sobra para o Puma.

Sentado sobre a mala, o sinal de internet sumiu menos de meia hora após a partida. Desatei a coleira do Puma e fiquei contemplando a lua e poucas estrelas.

Acordei com Antonia Lúcia aos gritos, com aquela voz de taquara rachada, dedo em riste:

- Você é mesmo o demônio. Seu cachorro cagou a balsa toda. Veja como está minha sapatilha. Vai ter que jogar esse vira-lata no rio, para que seja devorado pelas piranhas.

Levantei atordoado e fui cercado pelos passageiros. Gago, o Anão Montana Jack era um dos mais insolentes.

- Bem que o senador avisou pra você não entrar na balsa com esse pirento. Minha alergia voltou e eu estou com dificuldade pra falar e respirar.

Amanhecia e Porto Acre estava pertinho. Aleguei que meu cachorro não é pirento, que só se alimenta de ração e que a caganeira fora mera fatalidade por causa da pizza, que ele não iria mais evacuar matéria sólida ou líquida.

Não adiantou. Os passageiros ficaram enfurecidos, exibindo pés e objetos afetados. A brisa não era suficiente para atenuar a fedentina.

Tive a brilhante ideia de propor que só prosseguiria viagem caso fosse na companhia de Puma.

- Fora! Fora! Fora! - gritaram todos.

E assim fui deixado na beira do rio, em Porto Acre, de onde não consegui acessar o sinal da antena do programa Floresta Digital para enviar essas mal traçadas.

Altino Machado é jornalista.

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