quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Xapuri vive um momento de inclusão social e não de marasmo

Sérgio Roberto Gomes de Souza

Li a matéria produzida por jornalistas do site UOL que visitaram Xapuri e concordo, em parte, com o Raimari. Mas antes de detalhar nossas principais convergências, ressalto o que penso se constituir em um equívoco dos autores ao registrarem a existência em Xapuri de uma “reedição da rivalidade local entre seringalistas (representados pelo PT) e pecuaristas (representados pelo PSDB)”. Não sei se o erro é de grafia, mas o termo “seringalista” não caberia enquanto uma categoria histórica que opõem-se a categoria pecuarista. No nascedouro da segunda estava o declínio, a decadência da primeira, como resultante da última grande crise da empresa gumífera, ocorrida a partir do final da Segunda Guerra Mundial. A emergência da pecuária na região ocorre exatamente como resultante dessa crise, com antigos seringais transformando-se em fazendas e ocorrendo um processo de desaparecimento da figura do seringalista que, falido, vende suas terras a preços baixos, na desesperada tentativa de quitar inúmeras promissórias que lhes atormentavam e dilaceravam seu, outrora, nababesco patrimônio. Para encerrar o assunto, talvez os jornalistas quisessem se referir a outra categoria histórica, a dos seringueiros.

Mas voltemos às convergências. Concordo que Xapuri não se encontra no “marasmo” ao qual a matéria faz referência. Não tenho dados que me indiquem o crescimento do número de empregos formais no município após a instalação das usinas de tacos e preservativos e tão pouco conheço as experiências no campo da pecuária que foram citadas pelo Raimari, mas vi de perto um programa que, na minha concepção, tem uma profunda importância sócio-econômica: o “Ruas do Povo”.

Claro que, ao tratar sobre o programa, não cometerei o equívoco de posicionar-me de maneira “isenta” e “imparcial”. No texto produzido, estarão bastante visíveis minhas subjetividades e crenças, o que termina por explicitar minhas opções políticas. Lembro que o termo política aqui usado é bem mais amplo que ações e práticas desenvolvidas por agremiações partidárias e as disputas eleitorais em que estão corriqueiramente envolvidas. Entendo o termo, fundamentalmente, como processos de luta, resistências e conquistas, principalmente por parte dos que historicamente ficaram “à margem”, para usar uma expressão cunhada por Euclides da Cunha.

Ressalto, no entanto, que por não morrer de amores pelo governador Tião Viana, me sinto muito mais à vontade para construir minhas observações sobre o Ruas do Povo e sua importância para Xapuri. De antemão já alerto, para que minhas concepções não soem como o pior de todos os males, a bajulação.

O programa caracteriza-se por promover um forte processo de inclusão social, permitindo aos moradores de antigos bairros isolados e de muito difícil acesso, a possibilidade de locomover-se e usufruir, alguns pela primeira vez na vida, de saneamento básico e água tratada. A dificuldade de que estas ações sejam ressaltadas, principalmente por quem aqui chega e mantém distância das comunidades beneficiadas pode estar relacionado ao fato de que os que usufruem da ação do poder público são sujeitos sociais que, historicamente, só tomaram conhecimento da existência do Estado – no caso, o termo refere-se a uma instituição jurídica e não especificamente ao poder público - quando este bateu a sua porta com uma série de medidas repressoras como, por exemplo, desapropriação de terras na década de 1970, fato que os seringueiros e ex-seringueiros, muitos residindo na cidade e nestes bairros outrora isolados, tiveram o desprazer de conhecer.

Um fato merece ser destacado: os investimentos do programa Ruas do Povo obedecem a uma lógica de equidade. Os que menos tinham são agora os mais beneficiados. Esse fato, por si só, já é capaz de mostrar que a “pasmaceira”, o “marasmo” não fazem parte do cotidiano dos moradores da cidade, pelo menos daqueles que, durante anos foram tratados à margem, deslocados do “centro” e convivendo com o preconceito, arrogância e desdém de uma pseudo-aristocracia que nunca percebeu que estava falida e tinha a mera ilusão de que Xapuri era uma espécie de Paris dos trópicos. Melhorou e melhorou muito a vida dos que mais necessitavam/necessitam.

Mas gostaria de, se não apresentar discordâncias, fazer algumas observações para o Raimari. Para dialogarmos com as falas das senhoras Vicência, Maria Cosson e Carmem Veloso temos que contextualizá-las, sob pena de cairmos em um profundo anacronismo. As vozes destas senhoras foram construídas em um processo histórico onde suas vivências perpassaram vários tempos. Conviveram com o apogeu da borracha no segundo surto sem, efetivamente, serem inseridas nos “assuntos de homens”, nada sabiam sobre cotação da borracha, produção e comercialização do produto, dívidas contraídas junto a instituições financeiras e nem mesmo sobre a situação financeira em que viviam suas famílias. Sua relação com o mundo da borracha era caracterizada pela participação em um universo efetivamente “feminino”, com espaço de circulação bastante restrito: cozinha, casa, roupas para lavar e passar, igreja, quermesses e o desenvolvimento, em alguns casos, de atividades econômicas que serviam para compor a renda e, muitas vezes, manter o sustento de suas famílias.

Conheceram a decadência da empresa gumífera e assistiram a derrocada de uma belle époque que nunca existiu. Sabiam lá essas senhoras que a economia da cidade girava em torno do “fornecer a crédito” e que sua economia era praticamente desmonetarizada? Mas suas falas também são repletas de sabedoria. Seus reclames são justos, aceitáveis, pois, como já afirmei anteriormente, representam os que mantiveram a cidade em pé, mesmo quando suas principais casas comerciais e seringais faliram e viram a cidade inflar com ex-seringueiros expulsos de suas colocações. Assistiram a falta de perspectiva, viram com seus olhos o desemprego e a cidade ficar decadente.

Hoje, quando estas senhoras rebuscam suas memórias para falar de Xapuri, fazem em uma perspectiva muito clara: O bom, a glória, estavam no passado. O presente, mesmo que demonstre que renda e emprego foram gerados, que ruas alagadiças foram pavimentadas, água tratada e esgotos levados aos que estavam desamparados pelo poder público, não é parte constitutiva do que selecionaram como representação de qualidade, de excelência. Elas encontram essa representação no passado e devemos respeitá-las.

Para concluir, mais uma convergência com o Raimari: achei a matéria extremamente superficial, repleta de “chavões” e com a pretensão de expressar a cidade e suas multiplicidades, através de universos bem restritos.

Sérgio Roberto Gomes de Souza é professor da UFAC.

Um comentário:

Raimari Cardoso disse...

Caro Sérgio,

Ousei afirmar que Xapuri nunca teve tanta gente empregada formalmente também sem ter em mãos qualquer dado oficial. Mas não tenho medo de estar enganado não somente pelos 200 empregos diretos que geram hoje as fábricas NATEX/TACO. O comércio local sempre foi conhecido por empregar pouquíssima gente, com raras exceções; claro que você é muito mais sabedor do que eu do fato de que a maior parte dos negócios em Xapuri eram, até pouco tempo, empreendimentos familiares. Hoje, Xapuri tem dezenas de empresas empregando uma quantidade nunca vista de funcionários com carteira assinada. Aí estão as lojas de material de construção empregando meia centena de pessoas. Pode parecer pouco para quem não conhece a realidade de Xapuri, mas para os "nativos" é visível a melhora. Outro fato visível que tem a ver com o anterior: hoje você pode observar construções em alvenaria em andamento em praticamente todas as ruas de Xapuri, principalmente aquelas beneficiadas pelo programa Ruas do Povo. Continuo pensando que Xapuri tem muitos problemas que talvez tão cedo não sejam resolvidos, mas marasmo certamente não é o que a cidade vive neste momento.

Um grande abraço, e continue brindando o blog com a sua categoria.