domingo, 31 de março de 2013

Feliz Páscoa

Frei Betto

Feliz Páscoa aos que desdobram a subjetividade, rompendo a casca do ego para deixar renascer a mulher ou o homem novo, e a quem se nutre de TV sem enxergar as maravilhas encerradas no próprio peito.

Feliz Páscoa aos artífices da paz que, entre conflitos, exalam suavidade, não achibatam com a língua a fama alheia, nem naufragam nas próprias feridas. E aos emotivos que deixam escapar das mãos as rédeas da paciência e nunca abandonam as esporas da ansiedade.

Feliz Páscoa aos que tecem com o olhar o perfil da alma e, no silêncio dos toques, curam a pele de toda aspereza. E aos amantes tragados pelo ritmo incessante de trabalho, carentes de carícias, que postergam para o futuro o presente que nunca se dão.

Feliz Páscoa a quem acredita ser o ovo portador de vida, sem que a fé exija que o quebre, e aos incrédulos e a todos que jamais dobraram os joelhos diante do mistério divino.

Feliz Páscoa aos que identificam as trilhas aventurosas da vida mapeadas na geografia de suas rugas e não se envergonham da topografia disforme de seus corpos. E a todos aqueles que, robotizados pela moda, se revestem de estátuas gregas carcomidas pela anorexia, sem se dar conta de que a mente mente.

Feliz Páscoa aos que ousam ser gentis e doces, sem pudor de abraçar o menino que carregam dentro de si. E aos afoitos, competitivos, turbinados e sarados, enamorados da própria vaidade, incapazes de suportar uma fila de espera.

Feliz Páscoa aos que sabem amarrar o seu burrico à sombra da sabedoria e jamais negociam a felicidade em troca de uma arroba de milho que, vista à distância, parece pepita de ouro. E aos idólatras do dinheiro, fiéis devotos dos oráculos do mercado, reféns de pobres desejos que, saciados de supérfluos, nunca alcançam o essencial.

Feliz Páscoa a quem abre caminhos com os próprios passos e cultiva em seus jardins a rosa dos ventos. E aos que colhem borboletas ao alvorecer e sabem que a beleza é filha do silêncio.

Feliz Páscoa aos que garimpam utopias nos campos da miséria e trazem seus corações prenhes de indignação, sem jamais olvidar o próximo como seu semelhante. E aos que, montados na indiferença, atropelam delicadezas, até que a dor lhes abra a porta do amor.

Feliz Páscoa aos que nunca fecham a janela ao horizonte, regam suas raízes e não temem pisar descalços a terra em que nasceram. E aos que se embriagam de chuvas, ofertam luas à namorada e fazem da poesia a sua lógica.

Feliz Páscoa aos colecionadores de araucárias, que enfeitam de sonhos suas florestas e, na primavera, colhem frutos de plenitude. E aos que brincam de amarelinha ao entardecer e desconfiam dos adultos exilados da alegria.

Feliz Páscoa aos que se repartem nas esquinas, distribuem aos passantes moedas de sol e, nada tendo, nada temem. E aos que, ao desjejum, abrem sua caixa de mágoas e recontam uma a uma, gravando nos cadernos do afeto dívidas e juros.

Feliz Páscoa aos que caminham sobre tatames e, por terem muita pressa de chegar, jamais correm. E aos navegadores solitários, pilotos cegos e peregrinos mancos, que se arrastam pelas trilhas da desesperança.

Feliz Páscoa aos políticos obrigados a inventar, para os outros, o futuro que não se deram no passado, e estendem sorrisos para mendigar votos. E aos que não se deixam iludir pela insipidez da política e nem atiram seus votos na lixeira do desinteresse, alimentando ratos.

Feliz Páscoa aos trovadores de esperanças, aos fazendeiros do ar e aos banqueiros da generosidade, que sabem tirar água do próprio poço. E aos que mantêm em cada esquina oficinas de conserto do mundo, mas desconhecem as ferramentas que arrancam as dobradiças do egoísmo.

Feliz Páscoa a quem sequestra o melhor de si, escondendo-o nas cavernas de suas mesquinhas ambições, sem coragem de pagar o resgate da humildade. E aos que nunca banem do espírito a presença de Deus e fazem da vida uma oração.

Feliz Páscoa às bailarinas fantasiadas de anjos que sobem, na ponta dos pés, a curva policrômica do arco-íris, e aos palhaços ovacionados que, no camarim, se miram tristes no espelho, vazios da euforia que provocam.

Feliz Páscoa aos que descobrem Deus escondido numa compota de figos em calda ou no vaga-lume que risca um ponto de luz na noite desestrelada. E aos que aprendem a morrer, todos os dias, para os apegos de desimportância e, livres e leves, alçam voo rumo ao oceano da transcendência.

Frei Betto é escritor, autor de “Treze contos diabólicos e um angélico” (Planeta), entre outros livros.

Acre anos 1970

Terra estranha onde "bois devoravam homens"

Moradores da Reserva Extrativista Cachoeira. Xapuri - AC - Acervo: Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

Moradores da Reserva Extrativista Cachoeira. Xapuri - AC - Acervo: Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

Wlisses James de Farias Silva

"o parafuso ta arrochando e a polca vai estrompar... quando ouvir falar de seringueiro sem terra é sinal de guerra em qualquer lugar" (Pia Villa).


Na edição do dia 10 de junho de 1978 o jornal O Varadouro publicou, em sua página 09, uma entrevista com o senhor Francisco Vieira, antigo comprador de castanha no Acre, que fez a seguinte declaração: "È um crime derrubar árvore como esta. A castanheira, a seringueira são como se fossem nossas mães, pois quando eles vieram do nordeste pra cá, tiraram delas o sustento. Foi com leite de castanha que nos criaram. Foi com leite de seringa que nos vestiram." O tom de angústia e desabafo, expressos nas falas de Francisco, refletia as transformações sociais, econômicas e políticas que ocorriam no Acre a partir da década de 1970, com a chegada de uma nova frente de ocupação, desta vez, não mais constituída por imigrantes nordestinos para trabalhar na extração do látex e produção da borracha, mas, por grupos econômicos e retirantes vindos, basicamente, do Sul e Sudeste do país.

É possível relacionar este novo movimento populacional para o Acre com a decadência da produção da borracha. A "velha elite" local, constituída por grandes seringalistas, já havia dado sinais de "esgotamento" financeiro desde o ano de 1955 quando foram retirados os incentivos para produção da borracha, implantados durante a Segunda Guerra Mundial (1940 – 1945). Bom observador dos fatos e mudanças do mundo amazônico, o padre Paolino Baldassari avaliou este movimento da seguinte forma: "Pois bem, foi a partir de 1955 para cá que começou o grande fracasso dos patrões seringalistas e comerciantes, mas muito mais dos seringueiros e dos índios que aprofundaram sua marginalização".

A estagnação econômica, resultante da desestruturação do extrativismo, favoreceu os planos do governo militar brasileiro de modificar a lógica da ocupação econômica da Amazônia e abriu as portas para a chegada dos fazendeiros do Centro-Sul, que intencionavam utilizar recursos oriundos do poder público, através de políticas de financiamento, para criar uma base econômica voltada para a pecuária. O objetivo era tornar o Acre "um grande pasto de boi". Os novos "donos do Acre" começaram a chegar a partir de 1972, com o apoio de uma série de prepostos que englobavam o capital nacional e internacional. No Acre, um dos principais entusiastas destas mudanças foi o então governador Francisco Wanderley Dantas, que contou com o apoio de chefes de cartórios, alguns juízes e a polícia, principalmente, para a promoção de "atos de regularização" de terras que foram expropriadas de famílias de extratores. Com tão importante e poderoso suporte, esses aventureiros e especuladores desembarcaram no Acre de braços dados com seus jagunços e, em pouco tempo, tornaram-se "proprietários" de grandes parcelas de terras na região, desarrumando a vida de cerca de 40 mil famílias acreanas através da compra de suas terras por preços irrisórios, da expulsão ou simplesmente da eliminação física (PAULA, 2005).

Popularmente chamados de "paulistas" esses novos ocupantes causaram, em pouco tempo, profundos impactos na estrutura fundiária acreana, transferindo a concentração de terras das mãos dos seringalistas para as mãos das grandes empresas e fazendeiros do Centro-Sul do Brasil. A situação era tão patente que "apenas dois grupos, Atalla e Atlântica Boavista detêm dois terços do município de Feijó. Outro punhado que não chega a uma dezena tornou-se dono de Tarauacá. A Coapai e a Coloama tomaram conta de Sena Madureira, tendo esta última como responsáveis Pedro Aparecido Dotto, Alcebíades Bernardes e Juvenal Girardelli, todos de Jales, São Paulo."

Nesse período, ocorre o deslocamento de um grande fluxo de capital para as regiões do norte de Goiás, sul do Pará, norte do Mato Grosso, Rondônia e Acre. Esse movimento desemboca em grandes apropriações de terras por empresas nacionais e estrangeiras nessa região com um grande aumento dos projetos de pecuária, madeira, etc.

A ocupação econômica e populacional da Amazônia obedeceu a determinadas fases que vinham sendo traçadas desde o governo Médici. Na primeira delas, a proposição era de desenvolver os eixos rodoviários com a implantação da Transamazônica e a Perimetral Norte, tendo essa fase um desdobramento futuro maior, que seria a integração do Acre com o Perú. (PAULA, 2005). Na segunda fase, já no governo Geisel, ocorre uma transferência das verbas destinadas à colonização do INCRA para a SUDAM, para fins de desenvolver e aplicar projetos agropecuários. A terceira e ultima fase, foi caracterizada por uma maior exploração dos recursos florestais. È nesse momento que entra em cena as ações do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). Através do IBDF, órgão ligado ao Ministério da Agricultura, os militares no poder propuseram uma "nova" forma de "desenvolvimento" para a Amazônia: os contratos de risco. Através destes instrumentos jurídicos concediam, em regime de comodato, áreas florestais para empresas privadas dando-lhes o direito de explorar a madeira da região. Tal política tinha por objetivo levar o capital para o campo brasileiro e, para realizá-la, o governo militar criou um grupo interministerial com o intuito de envolver universidades e a comunidade científica, visando à construção de uma proposta para os rumos da política florestal no país. Este processo que, a princípio, parece possibilitar a participação de setores diversos da sociedade, foi apenas um artifício utilizado pelo governo, já que as decisões finais eram tomadas pela SUDAM.

Além disso, pelas diretrizes desse projeto, quem ficaria responsável pelo reflorestamento das áreas desmatadas na execução dos "contratos de risco", seria o governo federal através do IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal), ou seja, enquanto os lucros com a retirada de madeira ficavam com as empresas privadas, o ônus de consertar o estrago ficava sob a responsabilidade do poder público. Para a execução do plano foram reservados, somente no Acre, cerca de 6 milhões e 292 mil hectares de floresta, que ficariam mercê da exploração das madeireiras. Ressalte-se que o grande número de posseiros, seringueiros, pequenos colonos e grupos indígenas que habitavam as matas cedidas a essas empresas e que tiravam seu sustento da coleta e plantio de produtos da floresta, foram sendo expulsos de suas casas e abandonados à própria sorte, ou seja, para os governos federal e estadual, o desenvolvimento econômico da Amazônia passava pelo desmatamento e pelas "patas dos bois" e nunca pelo homem simples que habitava a região. Como consequência direta dessa política, já no final da década de 1970, cerca de 80% dos 15 milhões de hectares que compunham o território do Acre, foram transferidos para grileiros e especuladores.

Wlisses James de Farias Silva é professor efetivo do curso de História da Universidade Federal do Acre. O artigo foi publicado na coluna “Aconteceu…”, do jornal Página 20. edição deste domingo.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Corrente da ignorância

Vergonha

Muita gente que se diz instruída tem entrado na onda de uma corrente propagada na internet contra o auxílio-reclusão, o benefício pago pelo governo aos dependentes dos segurados do INSS que cumprem pena em regime fechado ou semiaberto.

Se dessem uma rápida espiada no Google antes de compartilhar todas as bobagens que veem no Facebook evitariam contribuir com a difusão de mais uma das muitas informações fantasiosas e distorcidas que permeiam a grande rede.

O governo não está dando nada a ninguém pagando o auxílio-reclusão aos presidiários, muito menos a população está sendo garfada em razão dele. Recebe o benefício aquele que contribuiu com a previdência social antes de ir para o xilindró.

Outra cretinice é acreditar que o valor do “auxílio” – R$ 971,78 – seja multiplicado pela quantidade de filhos do preso. A família do beneficiário recebe o valor único que é suspenso com a progressão para o regime aberto ou em caso de fuga.

Também é lenda urbana que todos os presidiários do país sejam beneficiados pelo “bolsa-bandido”. De acordo com Ministério da Justiça, das 549.577 pessoas que encontravam-se detidas em julho de 2012, apenas 35.937 recebiam o benefício.

Isso quer dizer que, ao contrário do que pensa grande parte da população, o auxílio-reclusão é pago a apenas 6,5% dos presos brasileiros. Não é pouca gente, mas não chega perto daquilo o que as tais correntes levam os mais incautos a acreditar.

Se o auxílio-reclusão é justo ou não é uma outra questão a ser discutida, mas combatê-lo com base na desinformação certamente não é o melhor caminho. Clique aqui para conhecer a legislação específica e mais detalhes sobre o assunto.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Cuidados com o IR enquanto o futuro não vem

Vagner Jaime Rodrigues

Num futuro não muito distante, os brasileiros terão apenas de validar a declaração do Imposto de Renda, que será preparada pela própria Receita Federal. Porém, enquanto esse leão cibernético não vem, é necessário que cada contribuinte elabore proativamente o seu documento anual de prestação de contas ao fisco.

Na elaboração desse trabalho, cujo prazo de entrega é 30 de abril, é preciso muito cuidado. Há mudanças inseridas na declaração das pessoas físicas que requerem todo o zelo no exercício de preenchimento. Atenção especial aos detalhes contidos nos itens relativos aos pagamentos feitos e doações realizadas.

Esse detalhamento todo introduzido pela Receita Federal relativo às informações passadas nas declarações feitas pelas empresas às quais os consumidores e usuários de serviços fizeram seus pagamentos ao longo do ano, complica a vida das pessoas físicas e pode resultar no aumento do número de peixes contribuintes capturados pela malha fina do Leão.

De fato, o questionamento por parte do fisco perante os contribuintes pessoas físicas cresce na mesma proporção em que se vai tornando mais complexa a legislação. Atualmente, diversificam-se as regras de tributação sobre operações de aplicações  financeiras, investimentos em participações societárias, vendas de bens imóveis e móveis e doações, dentre outras operações diversas.

Assim, ao preencher a declaração, seja qual for o modelo, simplificado ou não, devemos nos certificar de que a legislação está sendo aplicada corretamente e que a declaração, eventualmente errada, não acabará gerando dissabores para o contribuinte pessoa física. O problema é que a maioria dos cidadãos não tem conhecimento para avaliar os quesitos legais de cada transação financeira ou de consumo que efetuaram e se a maneira como lançam isso em sua declaração estão em conformidade com as normas e a legislação. São incertezas e dúvidas que sempre surgem na preparação e entrega da declaração anual.

Diante dos riscos, sempre que possível é importante contar com a assessoria de profissionais capacitados, não só na hora de prestar contas ao Leão, mas durante todo o ano, na análise de cada operação que resulte em tributação. Com isso, seriam significativamente mitigados os riscos e, o que é muito importante, otimizadas as restituições quando estas são pertinentes e racionalizado o montante dos impostos a serem recolhidos. Muitas vezes, por desconhecimento, paga-se mais do que o devido e se recebe menos do que o justo!

Assim, enquanto o futuro não chega, trazendo declarações prontas do Imposto de Renda, apenas para serem validadas pelos contribuintes, é preciso fazer com eficácia a lição anual de nossa prestação de contas à Receita Federal. Como já pagamos impostos demais no Brasil, é necessário fazer isso direito, porque ninguém merece a malha fina.

Vagner Jaime Rodrigues é mestre em contabilidade, professor universitário, sócio da Trevisan Gestão & Consultoria e da Efycaz Trevisan – Aprendizagem em Educação Continuada.

Dias melhores

Nader Sarkis

O debate sobre segurança precisa romper o pensamento nanico de que a causa da violência registrada ultimamente em nossa cidade seja exclusivamente o excesso de bares ou casas noturnas.

Lembrando o fatídico episódio da boate Kiss, no Rio Grande do Sul, em um único lugar morreram mais de 200 pessoas e a bebida alcóolica não foi o fator decisivo para a tragédia. Antes de qualquer pensamento ingênuo, sem essa de fazer apologia à bebida.

Os motivos daquele funesto acontecimento são inúmeros: alvará vencido, falta de inspeção pelos órgãos competentes, acústica inadequada, artefato incendiário. Vejam, não era faca, tampouco revólver na mão de ninguém. Mesmo assim muita gente morreu em um único ambiente. E por tudo isso, muitos irão responder judicialmente, não apenas os donos da boate.

De volta pra terrinha, compreende-se que nenhuma instituição colocou faca na mão de nenhum agressor para atentar contra a vida de ninguém, mas há de se compreender que os donos de bares e casas noturnas que pagam seus impostos pra venderem legalmente bebidas alcóolicas também não colocaram faca na mão de nenhuma pessoa, muito menos a população xapuriense.

Ora, sabemos que existem inúmeros fatores que cooperam para uma cidade do porte de Xapuri ter, lamentavelmente, frequentes ações de violência. Talvez essa discussão passe pela família, escola, falta de geração de emprego, falta de efetivo policial, enfim têm vários.

Espera-se que brevemente a sociedade, autoridades e polícias se proponham a esse debate sem melindres, sem que ninguém se arvore a proprietários da verdade, sem receio de críticas, ou seja, de forma civilizada para que nossa cidade tenha dias melhores.

Nader Sarkis é professor e radialista.

quarta-feira, 27 de março de 2013

“Se ela dança, eu danço”

Espetáculo Teatral em Xapuri

Arte Divulgação

A Cia. Arte na Ruína, em parceria com o Grupo Fuxico de Contadores de Histórias de Xapuri, tem o prazer de convidar a população xapuriense para a estreia do espetáculo teatral “Se ela dança, eu danço”.

O espetáculo, escrito por Dallyanna Lima, Clenes Guerreiro e Cildo Aquino, foi montado anteriormente em 2005/2006 e circulou por municípios do Acre, Rondônia, além de ser apresentado na Bolívia e no Peru.

Se ela dança, eu danço é uma comédia, com classificação indicativa de 12 anos, é baseada em uma história de amor real, onde os sentimentos do coração ultrapassam as barreiras do tempo. O show de humor se complementa com as músicas tradicionais, coreografias do grupo e o pique da trupe das Ruínas xapurienses.

A apresentação é uma homenagem a Dallyanna Lima.

Espetáculo: “Se ela dança, eu danço

Local: Casa Branca

Dia: 27/03/2013 – Quarta-feira

Horário: às 19:30h

Ficha técnica:

Direção: Clenes Guerreiro

Sonoplastia: Cleilson Alves

Contrarregra/iluminação: Luciano Gomes

Elenco:

Maricildo Aquino (Constancita)

Clenes Guerreiro (Dieguito)

Alarice Botelho (Vó Chiquita)

Clemilsa Alves

Uma questão de segurança

Atribuir aos bares e festas noturnas a responsabilidade pelo aumento de ocorrências policiais em Xapuri se equipara a dizer que afogamentos acontecem por culpa das praias e piscinas. Ao se propagar esse pensamento age-se preconceituosamente e burrifica-se o debate sobre as questões relacionadas à segurança pública.

Primeiro, não se pode discriminar dessa maneira pessoas que pagam seus impostos e geram empregos em atividades legais; segundo, a relação entre criminalidade e venda de bebidas alcoólicas não pode ser tratada de maneira isolada de outros fatores, como a falta de prevenção e policiamento nos locais de risco, por exemplo.

Outro ponto é que a garantia de segurança não pode estar atrelada a restrições da liberdade da população. Frequentar bares e festas é um direito que não pode ser tolhido em nome da segurança do cidadão. Não se pode, enfim, pretender o fim ou a redução dos pontos de venda de bebidas alcoólicas como solução para a ocorrência crimes.

Até mesmo as leis criadas no Brasil para proibir a venda de bebidas alcoólicas nas margens e proximidades das rodovias nacionais não pegaram porque estão constantemente indo de encontro a liminares cuja principal fundamentação é a inconstitucionalidade da proibição da venda de produtos legais que pagam impostos. 

Também não existe nenhuma garantia de que a proibição da venda de bebidas resultaria na redução de crimes. Nos Estados Unidos, entre os anos de 1920 e 1930, a fabricação e o consumo de bebidas alcoólicas foram banidos nacionalmente, numa medida conhecida como The Noble Experiment, popularmente chamada de Lei Seca.

Em um primeiro momento houve um grande apoio à medida, mas depois o comércio e o consumo ilegal de bebidas se tornaram corriqueiros, com o governo fazendo vistas grossas. Traficantes e comerciantes ilegais, como Al Capone, em Chicago, montaram grandes esquemas que lucravam com o consumo ilegal. Não adiantou.

Voltando para a atualidade, em Xapuri tem se recorrido a subterfúgios para se explicar uma situação que neste começo de ano está fugindo aos padrões normais. Talvez estejamos longe de uma situação de insegurança ou de um explosão de criminalidade, mas que algo está errado é evidente, e quem denuncia isso é a própria população.

De acordo com a Constituição, segurança pública é um direito do cidadão, dever do Estado e responsabilidade de todos. Penso que a parte que cabe ao povo já esteja contemplada pelos escorchantes impostos pagos pelo contribuinte. E deve ser lembrado que segurança também significa proteção às liberdades individuais de cada cidadão.

“Casa das Almas”

Na tarde da última segunda-feira, 25, uma pessoa foi esfaqueada no bairro Sibéria, no outro lado do Rio Acre. A vítima foi levada ao hospital em estado grave e o autor foi até sua casa buscar uma faca maior para desaforar os populares que manifestavam revolta contra o ato de violência. O homem permaneceu por cerca de meia hora no local, sem ser incomodado.

Segundo um morador, o bairro Sibéria possui um posto policial, mas o mesmo raramente funciona. As ocorrências registradas na comunidade são atendidas depois de a polícia ter que atravessar o rio de balsa ou catraia, o que dependendo das condições da travessia pode levar até 30 minutos. “O Box da PM é uma casa das almas”, afirmou, inconformado, o “siberiano”.

É no adjunto!

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Maxsuel Maia

Foi realizado na tarde do último sábado o "I Encontro dos Filhos e Amigos de Xapuri", um grupo idealizado para juntar os xapurienses em torno de um objetivo comum: O desenvolvimento da cidade e a melhoria da qualidade de vida do seu povo. A data do encontro não foi escolhida ao caso, afinal, Xapuri acabara de completar 108 anos de uma existência repleta de lutas, trabalho e conquistas.

As atividades ocorreram na casa do xapuriense Emir Mendonça, reunindo cerca de 40 filhos e amigos de Xapuri, que se confraternizaram num clima de muita união e desfrutaram da ótima programação elaborada. Logo no início, foi apresentada a exposição "Xapuri Fotografada", com fotos antigas de lugares e personagens que ajudam a contar a História do município.

Após a exposição, a xapuriense Antônia Lúcia ministrou uma palestra sobre o enorme potencial cultural e turístico que Xapuri possui, já que uma das principais ambições do grupo é registrar a cidade como Centro Cultural e Ecológico, explorando o turismo de baixo impacto, respeitando sempre nossas riquezas naturais. Por falar em cultura, quem também se fez presente foi a Secretária Municipal de Cultura, Elisângela Horácio, que discursou representando o prefeito, o que ajuda a evidenciar que o grupo não foi criado para fazer oposição ou governo paralelo, mas sim para agregar na parceria entre governo e sociedade civil organizada. Nosso projeto político e nosso partido é um só: Xapuri!

Outro ponto de destaque foi a programação musical, comandada por Carlinhos Castelo, Carlos Estevão, Família Musical, Maísa Farias e este blogueiro que às vezes também dá suas cantaroladas. Os músicos citados cumpriram à risca a tradição de que Xapuri é um celeiro de bons artistas, com um repertório vasto, apresentando inclusive musicas autorais que homenageiam a terra natal.

Ao final, um virtuoso debate entre os xapurienses participantes serviu para analisar o encontro, traçar os próximos objetivos e mostrar o alto nível de comprometimento da parte de todos. Um novo evento já está sendo programado para acontecer no mês de maio, mas dessa vez em Xapuri, onde se colocará em prática outra grande missão do grupo que é envolver a todos, espantar  o  comodismo, chamar o povo pra discutirmos juntos o futuro da cidade. Juntos somos mais fortes e essa ideia de união e participação já virou jargão entre os filhos e amigos, agora é assim: "É no adjunto"!

Veja mais fotos na página do grupo "Filhos e Amigos de Xapuri" no Facebook.

Maxsuel Maia é blogueiro xapuriense.

terça-feira, 26 de março de 2013

Por sorteio é menos excludente

Antônio Henrique Martins de Carvalho

Tentar travar alguma discussão sobre a perversidade dos mecanismos de seleção de alunos na escola pública é sempre uma tarefa extremamente árdua para quem acredita na educação pública verdadeiramente popular e democrática.  Mas porque não ousar buscar o debate público através deste jornal sobre esta questão tão fundamental para o futuro de nossos jovens e também do nosso Estado?

Faço isso motivado a questionar a crueldade que a imposição de arbitrariedades culturais, como a introdução de mecanismos de seleção/exclusão na educação pública básica, pode representar e, também, para denunciar uma realidade que salta aos olhos de qualquer pessoa que se proponha sinceramente a observar que tipo de escola é reservada para os desprivilegiados de nosso Estado.

Iniciarei com uma pergunta simples, mas embaraçosa para vários professores e técnicos do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Acre: Você é a favor ou contra o sistema de sorteio para ingresso na educação básica dos institutos federais brasileiros?

Esta pergunta sempre causa uma grande tensão em meus pares docentes porque pode ser reveladora de certos valores muito enraizados em nossa cultura privatista/patrimonialista e de povo que historicamente testemunhou a perseverança de uma concepção de escola elitista e excludente.

Apesar de termos proclamado a mais de vinte anos em nossa constituição que a educação básica é um direito fundamental do homem e da mulher e que deve ser garantida pelo Estado, a tarefa de trazer o povo para a escola pública de qualidade permanece incompleta, em parte devido à manutenção de uma mentalidade que ao defender a seleção reforça o dualismo de escola de boa qualidade para alguns e uma escola precária para os pobres.

No Acre, uma faceta deste dualismo aparece na defesa, por parte de alguns docentes e técnicos do Instituto Federal de Educação do Acre – Campus Xapuri, da necessidade de selecionar por meio de provas seus futuros discentes. Os argumentos para tal defesa são inúmeros, porém, os mais recorrentes são aqueles que dizem que os sorteios não são democráticos. Os que assim pensam parecem considerar o individuo como sendo o único responsável por sua trajetória escolar. De tanto assumirem como verdadeiro que basta estudar para ter sucesso, admitem também que, quando não se aprende, o culpado só pode ser quem não estudou. Ao impor este arbitrário cultural como legítimo, dissimulam a própria arbitrariedade e não refletem sobre os condicionantes internos e externos ao processo pedagógico que geram as desigualdades educacionais. Entendem que aqueles mais adaptados aos códigos da cultura escolar devem ser privilegiados no acesso a educação de qualidade e passam a conferir à escola um caráter reprodutor das desigualdades pedagógicas excluindo de seus quadros aqueles que se encontram em situação de inferioridade educacional. Não compreendem que com isto negam um dos princípios fundamentais da educação, a sua função equalizadora, que deveria permitir que os alunos desfavorecidos socialmente com cultura escolar tivessem a oportunidade de adentrar numa instituição, que diz promover ensino de qualidade, para que a mesma minimizasse as distorções dando tratamento pedagógico diferenciado aos inferiorizados.

Ao defenderem mecanismos de seleção/exclusão para pretensamente formarem melhores profissionais, não percebem o imenso equivoco didático que cometem ao supor que a seleção de alunos seja um fator que induzirá à melhora na qualidade do ensino. Se isto for verdade significa que o Instituto federal, com seus professores e técnicos, estão aceitando tacitamente que são muito mal providos de recursos que possam promover o aprendizado, por isto, precisam recorrer a mecanismos externos aos seus processos escolares para ofertar boa qualidade de educação. Em outras palavras é como se estivessem declarando veladamente que são incapazes de realizar a função social para a qual se habilitaram num concurso público, qual seja, ensinar a todos nos mais variados níveis de educação (básica, graduação e pós-graduação).

Estas ideias de seleção baseadas no mérito escolar, resquícios do caduco Darwinismo Social, já foram inúmeras vezes criticadas por pensadores da educação brasileira. Numa rápida digressão, vale lembrar Anísio Teixeira que, criticando os mecanismos de seleção e hierarquização escolar de sua época, afirmava que “realmente, as inteligências que se ajustam ao ensino formal são as de certo tipo médio, excessivamente plástica e passiva. Os verdadeiramente capazes são desencorajados, e a grande maioria de outros tipos de inteligência – artística, plástica, prática – é destruída.” (Teixeira, 1957, p.391). Parece que nossos educadores querem na escola básica pública, que julgam sua, somente os alunos ajustados ao status quo educacional. A diversidade tem que ser anulada por algum processo homogeneizador.

Parece que nossas lutas sociais para diminuir as desigualdades, que muitas vezes tem na raiz a falta de educação como sua promotora, sempre tenderam a um adiamento pretensamente conciliatório para retardar o fim de privilégios. Exemplos históricos não nos faltam. Recorrendo mais uma vez ao passado, é publica e notória a declaração atribuída ao governador de Minas Gerais Antônio Carlos de Andrada, que ao final da década de 20 do século passado, receando a emergência de setores populares organizados no cenário político brasileiro e antevendo a ideologia conservadora política que moveria os interesses da “Revolução de 30”, proclamou; “Façamos a revolução antes que o povo a faça.” Vale lembrar que a frase símbolo que é estampada na camisa dos alunos do Instituto diz - “A nova revolução acreana se dará pela educação, ciência e tecnologia.” Contextualizando as duas frases ao nosso tema, pergunto: que revolução é esta que se propõe a reproduzir as mesmas exclusões que praticamos a séculos na educação brasileira?

Acredito que já passou da hora de deixarmos a hipocrisia discursiva de lado e convidarmos o povo a entrar no IFAC, sejamos verdadeiramente revolucionários e ousemos construir uma escola realmente democrática e inclusiva para que no futuro estas questões não passem de História.

Antônio Henrique Martins de Carvalho é professor de História em Xapuri-Acre.

SERES

Francisco Braga

Tem gente que mostra quem realmente é até sem perceber, com atitudes viscerais, instintivas. Com palavras delatoras de seu caráter e meneios, gestos, expressões corporais específicos que expõem sobremaneira sua índole, seu temperamento, sua alma. Me lembrei agorinha de algumas dessas pessoas as quais desejo fazer conhecidas e conhecedoras de minha impressão sobre sua conduta e a consideração que devidamente lhes dou.

Havia o Roberto, um colega do bairro. Pessoinha completamente desprovida de moral e honra, um cara inescrupuloso, covarde e detestável. Oriundo de uma família cujo pai era um conhecido voyeur (brecheiro, como se diz em Fortaleza, Ceará), que se esgueirava nas madrugadas, pelas sombras dos arbustos de quintais e frestas de janelas, em busca dos corpos nus e adormecidos de vizinhas incautas.

Odiava me aproximar deste sujeito nojento, o Roberto. Como a maioria de seus tios, primos e irmãos mais velhos, que achavam engraçado soltar peidos fedorentos em público, arrotar e dizer palavrões aos gritos e xingar transeuntes com apelidos ofensivos, este pulha tinha a mania detestável de “cumprimentar” os amigos com uma dedada no traseiro. Ser repugnante e desprezível de quem não guardo uma sequer lembrança agradável.

A gente costumava catar maços vazios de cigarros e colecionar. Desmanchávamos as chamadas carteiras de cigarros e as dobrávamos em forma de notas de dinheiro. Era uma das diversões da molecada do início dos anos setenta, no meu distante bairro Aldeota, em torno da mercearia do Seu Antõe Beto e da Dona Albertina. Nessa aventura divertida encontrei o novo menino do bairro, neto da Dona Haideé e de Seu Osmundo, o Sérgio Ricardo.

Com um sorriso cativante e grande simpatia, não foi difícil para o Serginho conquistar minha amizade, fui o seu primeiro amigo da rua. Logo estávamos brincando nos quintais de nossas casas. Sabe aquele negócio de melhor amigo? Pois é, éramos os melhores amigos. Eu magrela e baixinho, o Sérgio gordo e desajeitado. Nós dois juntos formávamos a dupla do barulho que nos valeu apelido de seu tio Osmundinho: dupla pinga-fogo.

Serginho pinga-fogo e Chico pinga-fogo. Eu era um molóide, ruim de briga que Deus me livre. O Sérgio era outro cara da paz, apesar de grandalhão, não era violento e engolia vitupérios e piadas de mau gosto calado ou com um sorriso encabulado. Sabe que criança, menino de rua principalmente, é bicho cruel, né?! Sem uma gota de remorso, não titubeia quando quer fazer alguma traquinagem mais agressiva com o coleguinha mais bobão.

Pois bem, o Serginho era, na verdade, uma bomba-relógio, um vulcão adormecido. Uma folha de cansanção arre-diabo que não se deve tocar nem de leve. Enquanto estivesse no plano verbal, o moleque podia ofender e destratá-lo como quisesse, porém o imbecil do valentão Roberto, burro como qualquer cavalgadura de seu naipe, tinha que ir mais além, era de sua natureza doentia, não podia se controlar e foi parado sobremaneira.

Numa velocidade assustadora, num piscar de olhos o Sérgio virou-se e o Roberto sucumbiu sob o impacto fulminante do direto de direita, na tábua do queixo. Caiu duro tremendo a escrota mão invasiva que jamais tocaria a bunda de um cabra macho novamente. Todo mundo aplaudiu e o Sérgio Ricardo Pessoa virou herói e o melhor amigo do resto da molecada. Deste sim, ser do bem, eu só tenho boas lembranças e grande consideração.

Francisco Braga é cartunista.

Blogueiro é processado mais uma vez

O número incomum de ocorrências policiais registradas em Xapuri nos primeiros meses de 2013, com especial atenção para os quatro homicídios ocorridos na urbana do município, suscitaram um salutar debate através dos escassos veículos de comunicação locais e também por intermédio da rede social Facebook, uma espécie de ágora dos tempos modernos.

No entanto, o trabalho da imprensa local e as opiniões emitidas pela população não foram entendidas como saudáveis por alguns setores da segurança pública. De maneira contrária, foram tratadas como impertinentes e até ofensivas por membros da 2ª Cia. Ambiental de Polícia Militar de Xapuri, que se sentiram acusados de omissão, sendo que um deles, o sargento Giocondo Gondim, acionou a justiça contra este blogueiro.

A razão do melindre que descambou para a vitimização foi a publicidade dada à acusação de omissão feita pelo estudante Antônio Elio dos Santos Silva, 22, o Elinho, contra a Polícia Militar. Elinho, que na madrugada do dia 10 de março matou com duas facadas Valmir Monteiro da Silva, 21, em frente a uma festa noturna denominada Bar da Vivi.

O acusado relatou em seu depoimento à Polícia Civil que antes de perpetrar o assassinato abordou uma guarnição da PM para denunciar que havia sido agredido fisicamente pela vítima. Afirmou que os policiais não o atenderam alegando que estavam atendendo uma pessoa ferida, que seria levada para receber atendimento médico no hospital local.

Antônio Elio afirmou que os policiais poderiam ter evitado que ele cometesse o crime, pois ao não ser atendido foi tomado por uma raiva incontrolável decidindo fazer justiça com as próprias mãos. O estudante disse ainda que no momento em que abordou os policiais solicitou providências do sargento Giocondo Gondim, conhecido pela alcunha de “Cuca”.

O assunto foi comentado por mim e pelo radialista Nader Sarkis através da programação da Rádio Educadora 6 de Agosto no dia 11 de março. Não fizemos, no entanto, nenhum juízo de valor ou crítica quanto às acusações feitas por Elinho contra a guarnição da PM. Telefonamos para o quartel na tentativa de falar com o sargento Giocondo, mas não o localizamos.

Através do policial que atendeu o telefonema, nos colocamos à disposição tanto de Giocondo quanto do tenente Sílvio Araújo, comandante da corporação em Xapuri, mas este preferiu prestar esclarecimentos através do blog Xapuri Amax, da Associação de Militares e Amigos de Xapuri. Em nota, repetiu a explicação do motivo pelo qual a guarnição não atendeu ao chamado de Antônio Elio e afirmou que “a Polícia Militar não colocou a faca na mão de ninguém”.

Dias depois, o blog Xapuri Amax publicou uma postagem com o título de “Algo precisa ser feito”. As aspas não são minhas, mas do próprio blog da associação militar. Isso porque o autor do texto, que não assina o post, tomou emprestado o título de uma postagem deste blog, na qual eu comento a anormalidade das ocorrências do início do ano e afirmo que algo precisa ser feito. Na resposta, o autor atira contra os pontos de venda de bebidas alcoólicas a culpa pelo aumento das ocorrências policiais e afirma que “as mídias locais” devem cobrar mais dos outros órgãos e não apenas da Polícia Militar.

Xapuri Amax se apega a dados estatísticos relacionados às ocorrências policiais nos últimos dois anos para traçar um paralelo entre a quantidade de festas e bares existentes na cidade e o crescimento do número de crimes no município, tentando dessa maneira simples e rasa justificar uma situação de insegurança que na realidade pode ter origem na falta de policiamento ostensivo e na ausência de ações preventivas. 

Argumentar que os bares e festas noturnas são responsáveis pelo aumento de ocorrências policiais é tergiversação. Bebidas alcoólicas são legais no país e os estabelecimentos comerciais que as vendem, desde que devidamente autorizados pelos órgãos competentes, não podem ser acusados de contribuir com os crimes. Donos de bares e boates que pagam seus impostos e geram empregos, desde que cumpram as determinações e horários estabelecidos pela legislação, estão no pleno exercício dos seus direitos civis e não podem ser molestados.

A relação entre bebidas alcoólicas com crimes de homicídio, lesões corporais e brutalidades em geral é evidente e indiscutível, mas isso não significa que bares, festas noturnas e congêneres devam ser demonizados. Trata-se de um assunto que demanda uma discussão mais abrangente e menos simplista. A sociedade pode e deve dar início a um debate a respeito da questão para que medidas como a redução de pontos de venda de bebidas alcoólicas numa cidade tão pequena, por exemplo, possam um dia ter amparo legal.

Por enquanto, o Estado tem o dever de garantir a segurança dos cidadãos independentemente da quantidade de bares que existam em uma cidade. Se efetivo de agentes de segurança não é suficiente para tal, isso deve ser declarado ao governo. Simples assim. Quanto às festas noturnas, a título de sugestão, poderia haver um entendimento entre a Polícia Militar e o Furepol, o Fundo de Reaparelhamento Policial, que é o responsável pela expedição de licenças de segurança, para que apenas fosse autorizada uma quantidade de festas que a PM tivesse condição de garantir a segurança e ordem nas suas imediações.

Voltando ao episódio do homicídio que gerou uma acusação de omissão contra a PM, ressalto que ela foi feita pelo acusado, Antônio Hélio, que solicitou auxílio de uma guarnição da polícia depois de tomar um tapa na cara e não foi atendido pelos militares. Se ouve ou não omissão dos policiais, é uma outra questão, mas o que quero deixar cristalino com água é que não fiz qualquer acusação ou juízo de valor a respeito do comportamento dos policiais militares que não prestaram atenção a uma pessoa agredida fisicamente e que instantes depois revidou de maneira violenta matando seu agressor a facadas.

Como minha isenção e imparcialidade não evitaram que mais uma vez eu fosse acionado judicialmente em razão de meu trabalho, passarei a dizer o penso daquela situação. Uma guarnição da Polícia Militar é comumente formada por quatro policiais militares. Mesmo atendendo a uma outra ocorrência e tendo de transportar uma pessoa ferida ao hospital, os policiais poderiam ter atendido à denúncia de agressão feita por Antônio Elio. Deveriam ter se dividido e prestado atendimento às duas ocorrências.

De acordo com o que informa o comandante da PM de Xapuri em sua Nota de Esclarecimento, os policiais que atendiam a citada ocorrência informaram a Antônio Elio que não podiam lhe atender naquele momento e pediram que o mesmo não revidasse e esperasse que a guarnição fosse até o hospital e retornasse ao local. Ocorre que os militares em vez de acionarem uma outra equipe ou retornarem ao local em que Antônio Elio pediu ajuda, permaneceram no pronto-socorro aguardando que o homem ferido fosse atendido para ser lavado à delegacia.

Segundo o boletim de ocorrência da PM, a pessoa que estava sendo atendida deu entrada no hospital a 1h05 da manhã, e quando era por volta de 01h20 foram acionados via rádio para que se deslocassem até o Forró da Vivi, pois lá havia um cidadão esfaqueado no local, nesse momento o autor da ocorrência anterior ainda estava na viatura. Chegando lá, perceberam que deixaram de evitar um crime ao não prestar atendimento a uma pessoa que acabara de ser agredida fisicamente em um local onde comumente os indivíduos estão exaltados e sob efeito de bebidas alcoólicas.

Não é verdade que Antônio Elio tenha dito que matou por que não foi atendido pela polícia. Ele apenas afirmou que a atitude impensada poderia ter sido evitada caso a pendenga inicial tivesse sido resolvida por aqueles que possuem as prerrogativas para isso. Não existe nenhuma justificativa ou desculpa que minimize ou transfira a responsabilidade pela decisão que ele tomou. A guarnição da PM não tem culpa de Antônio Elio ter matado o seu desafeto, mas pesará eternamente sobre cada um dos policiais a responsabilidade por terem feito pouco caso de um pedido de ajuda feito por uma vítima de agressão.

Segundo escreveu o escritor xapuriense José Claudio Mota Porfiro em artigo publicado neste blog há alguns dias, o mal não deve ser imputado apenas àqueles que o praticam, mas também àqueles que poderiam tê-lo evitado e não o fizeram. A Polícia Militar diz que não colocou a faca na mão de Antônio Elio, que com a arma consumou um crime covarde e brutal. Certamente que a polícia não pôs a faca na mão do acusado, mas com certeza poderia a ter tirado ou até mesmo evitado que ele a empunhasse; mas não o fez.

Quanto à ação judicial movida contra mim no Juizado Especial Cível de Xapuri, ela é tão sem propósito que o reclamante sequer soube informar a data e o veículo de comunicação através do qual eu teria o acusado de omissão. É inaceitável que em vez de fazer esclarecimentos e procurar mostrar que a decisão de não atender ao acusado do crime em questão foi correta, o policial militar tente combater o efeito e não à causa de situações como essa. Mas, será mais uma demanda que responderei com a convicção de que o único meio de evitá-las é se omitir de dar publicidade e repercussão àquilo que é do interesse todos.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Justiça julga improcedente ação contra o blog

Naufragou a ação de indenização por uso indevido da imagem movida contra este blogueiro no Juizado Especial Cível da Comarca de Xapuri pela ex-candidata a vereadora Eluanda Moreira Carlos e pelo comerciário Robson Batista Mendes. A dupla ingressou em juízo requerendo o valor de 40 salários mínimos a título de reparação por eu haver reproduzido neste blog um vídeo postado no You Tube por um usuário identificado como Carlos Neche e pelo repórter Willamis França, de Rio Branco, que apresentava a coluna “CQAcre” no site Ac24horas.

No vídeo, a então candidata aparecia entregando algo de maneira disfarçada a Róbson Batista nas imediações de pelo menos dois locais em que funcionavam seções eleitorais, no dia 7 de outubro do ano passado, quando a população elegia os novos prefeitos. Mesmo considerando a atitude da pretensa vereadora extremamente suspeita, me limitei a reproduzir o vídeo sem fazer qualquer comentário ou juízo de valor a respeito do suposto flagrante. Pelo contrário, postei abaixo das imagens as explicações dos envolvidos naquele possível ato de compra e venda de voto.

A dupla então se precipitou contra mim ao Juizado deixando de lado os usuários que publicaram o vídeo no principal canal da internet dedicado a esse fim, assim também como esqueceram que o You Tube é responsável pelo conteúdo que recepciona e mantém no ar. Não aceitaram minhas explicações e justificativas e passaram o vexame de não saber dizer, durante a audiência de instrução e julgamento, se eu era realmente o responsável pela produção e pela divulgação do vídeo na rede mundial, sendo que disto me acusaram na chamada “inicial”.

Eluanda Moreira chegou a dizer ao juiz leigo Enoque Diniz Silva que desejava que eu fosse condenado a pelo menos um dia de cadeia pelo que fiz, mostrando desconhecer completamente a finalidade da instância cível. Antes havia deixado transparecer que não aceitava minha decisão de dar repercussão ao caso pelo fato de haver sido minha vizinha em um tempo passado, ignorando que o princípio da impessoalidade, que também pode e deve ser aplicado ao jornalismo, tem como finalidade proteger o interesse da coletividade, e não o próprio ou de pessoas amigas.

Não meramente em razão de a decisão judicial ter sido favorável a mim, quero ressaltar que jamais tive a intenção de prejudicar os autores da ação. Meu objetivo foi exclusivamente o de repercutir um fato que já era público por meio de outras mídias e de oferecer a possibilidade de defesa aos apontados como responsáveis por um suposto crime eleitoral. De qualquer maneira, quero, espontânea e publicamente, pedir desculpas a ambos pelos transtornos causados pela reprodução do vídeo, deixando claro, no entanto, que agirei da mesma maneira caso um episódio semelhante volte a acontecer, o que, sinceramente, eu espero que não.

Eis o teor da sentença prolatada:

PELO EXPOSTO, com fundamento no artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE a reclamação feita por ELUANDA MARIA MOREIRA CARLOS e ROBSON BATISTA MENDES contra RAIMARI CARDOSO, bem como JULGO IMPROCEDENTE o pedido contraposto formulado pelo reclamado. Determino a extinção do feito com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil. Por esta sentença, ficam as partes cientes de que poderão recorrer no prazo de 10 (dez) dias, por petição escrita e assinada por profissional inscrito na OAB. Sem custas e honorários advocatícios, de acordo com o artigo 55 da lei n. 9.099/95. Intimem-se. Após o trânsito em julgado, sem a respectiva interposição, arquivem-se. Autos ao Exmo. Sr. Juiz de Direito, Coordenador deste Juizado, para as providências do artigo 40 da lei n. 9.099/95. Xapuri AC, 11 de março de 2013. Enoque Diniz Silva, Juiz Leigo Sentença. Em mesa hoje. Homologo, com fundamento nos arts. 2º, 5º, 6º e 40, da Lei Federal n.º 9.099/95 (LJE), a decisão leiga proferida (fls.52/53). P.R.I.A. Cumpra-se. Xapuri-(AC), 18 de março de 2013. Luis Gustavo Alcalde Pinto Juiz de Direito Advogados(s): Talles Menezes Mendes (OAB 2590/AC), MARCOS MAIA PEREIRA (OAB ).

Aproveito o post para agradecer o empenho dos advogados Júlio César Oliveira e Talles Menezes em fazer valer a justiça e compreenderem que a liberdade de expressão é como uma necessidade fisiológica: não pode ser contida. Outras ações como essa virão, uma inclusive já tem audiência de conciliação marcada para o próximo dia 8 de abril. Novamente responderei com a convicção de que contratempos como esses são necessários para que, aos poucos, se compreenda que a crítica e a denúncia são algumas das vigas mestras do pleno estado democrático de direito que ainda não vivemos, mas sonhamos um dia alcançar.

domingo, 24 de março de 2013

Xapuri e seu “insuportável” dilema

A “princesa virou plebeia”, ou nunca foi mesmo tão “aristocrática”?

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Francisco Bento da Silva
Sérgio Roberto Gomes de Souza

Na sexta feira, dia 22 de março, Xapuri completou 108 anos de idade. A data é uma representação e não significa o momento em que deu-se a ocupação da localidade ou foi criado seu primeiro núcleo populacional. A imprecisão permanece, mesmo se utilizado como referência um ato institucional, já que foi através do decreto Nº 09 de 28 de setembro de 1904, assinado pelo prefeito Raphael da Cunha Mattos, que o Departamento do Alto Acre foi dividido em dois municípios: um com sede na Villa Rio Branco e outro na cidade de Xapury. Foram, a partir de então, estabelecidos os limites territoriais e criadas as Intendências Municipais, compostas por um Intendente e quatro Vogais cada. No período, estimava-se que a cidade de Xapury tinha aproximadamente 40 casas e a população total do município era de cerca de 800 habitantes.

É sempre bom lembrar que o espaço pertencia a Bolívia e era denominado “Mariscal Sucre” (Marechal Sucre), em homenagem a Antônio José de Sucre, militar e estadista venezuelano, combatente nas lutas em defesa da independência da América Latina. Sua anexação ao território brasileiro ocorreu como consequência da assinatura do Tratado de Petrópolis, em 17 de novembro de 1903.

A formação histórica de Xapuri ainda é bastante confusa. Fala-se de um espaço inicialmente habitado por três etnias: “Moneteres, Catianas e Xapurys”. Mas, não se pode dizer que existam fartos registros da presença dessas populações na região. Uma possibilidade é que haja “confusão” com relação às nomenclaturas. Por exemplo: quando se utiliza o termo “Moneteres”, parece ser uma referência ao Povo Manchineri, citados “em vários relatórios da segunda metade do século XIX, em textos do geógrafo inglês W. Clandless, do caboclo Manuel Urbano da Encarnação e do seringalista Antonio Labre (MANCHINERY & MORAIS, 2011, P. 4)

Nos relatos de Manuel Urbano da Encarnação, tido como primeiro a “desbravar” rios e florestas da região de Xapuri, são enumeradas um total de 18 tribos nas redondezas do Juruá e nos afluentes do Purus, entre elas estavam: Mura, Pamari, Catauxi, Caripuna, Cipó, Mamuri, Uapuça, Catuquina, Crupali, Tará, Paru, Ipuriná, Pamaná, Quaruná, Juberi, Jamamadi, Canamari e Maneteneri, que são os atuais Manchineri (Brasil, 2009, apud MANCHINERY & MORAIS, 2011, P. 4). Perceba-se que não são feitas referências as etnias dos Xapurys e Catianas. Uma informação importante, com relação à terminologia “Xapuri”, foi dada por David Kopenawa, em entrevista a revista “Galileu”. Para os Ianomâmis, os “Xapuris” são os Xamãs e teriam sido enviados á terra por Omami (criador), para cuidar da terra e ajudar as pessoas. Isso não significa que a etnia não existiu e tão pouco que o significado do termo fosse o mesmo utilizado por outros Povos Indígenas. A intenção é apenas mostrar que existe um vasto campo de estudo a ser explorado.

A institucionalização de Xapuri está inserida no contexto de criação de um novo regime jurídico para o Acre, definido e implantado logo após a anexação do Território ao Brasil. Francisco Bento da Silva aborda o tema da seguinte maneira: “Três alternativas estavam postas para aquela questão: a) ser o novo território administrado pela União; b) anexá-la ao Estado Amazonense; ou, c) elevá-lo à condição de Estado Autônomo da Nação brasileira. Prevaleceu a primeira alternativa, uma saída que antes de tudo beneficiava o Governo Federal no âmbito econômico e político, desagradando por sua vez tanto às oligarquias locais quanto as regionais, ligadas ao extrativismo da borracha e que tinham enorme interesse em ter controle sobre o novo território tornado brasileiro (SILVA, 2012, p. 31)”.

Definido o estatuto jurídico que tornava o Acre um Território a ser administrado pela União, portanto, sem nenhuma autonomia administrativa e política, teve início sua organização institucional. O Decreto nº 5.188 de 07 de abril de 1904, dividiu administrativamente o Território em três Departamentos: Alto Juruá, Alto Purus e Alto Acre. Para cada Departamento o governo federal nomeou um prefeito e os membros do corpo judiciário.

Rafael da Cunha Matos foi nomeado prefeito do Departamento do Alto Acre através do decreto nº 14, de abril de 1904, mas só chegou a região no dia 17 de agosto do mesmo ano após “longa e penosa viagem”, com início na cidade do Rio de Janeiro e fim quando de seu desembarque no povoado de Rio Branco. Um dia após sua chegada tratou de instalar a sede da prefeitura. A princípio, intencionava fazê-lo em Xapuri, o que terminou por não concretizar-se devido às dificuldades que encontrou para deslocar-se até o local, em consequência do período de vazante das águas e as péssimas condições de navegabilidade do rio Acre, única via de acesso a época. O prefeito explicou que não poderia esperar de cinco a seis meses pelo período das chuvas, que proporcionaram ao rio o volume de água necessário para viabilizar sua locomoção, para poder instalar a Prefeitura. Sua opção inicial por Xapuri e não Rio Branco para a capital, deu-se devido à crença pessoal que, no primeiro, os quadros mórbidos eram bem mais amenos, muito embora tenha dito que o clima era insalubre em todo o Departamento que administrava: “Como já conhecesse pessoalmente as terras banhadas pelo rio Acre e estivesse, portanto, habilitado a fazer juízo seguro do respectivo clima que é o mais insalubre possível, a partir da Capital Federal tinha em mente constituir em Xapuri a sede do meu governo, pois ali se fazem sentir com menos intensidade as febres de mau caráter, o beri-beri e outras enfermidades que tanto dizimam a população do Acre. (MATTOS, 1905, p. 03)”.

Plácido de Castro viria a criticar posteriormente Cunha Mattos, alegando que a medida de situar em Xapuri a capital do Departamento era “sem alcance e sem vantagens, dada a extrema dificuldade de navegação e, por conseguinte, de comunicações para aquela cidade durante o período de baixa das águas” (CASTRO, 1907, p. 187).

Acauã Ribeiro, que também exerceu o cargo de prefeito, esboçou transferir a capital do Departamento para Xapuri, conforme pode ser constatado em afirmação que fez em seu relatório de 1905: “O estabelecimento da capital preocupou bastante minha atenção, porquanto desde logo fui recebendo informações das condições de salubridade desse local (refere-se a Villa Rio Branco), ao passo que preconizavam a cidade de Xapury como mais salubre (...) tanto mais por ser o mais movimentoso (sic) centro do Departamento” (RIBEIRO, 1905). Mas, não demoraria a arrepender-se, utilizando como argumento os problemas de acesso já citados em 1906 por Plácido de Castro. De acordo com o prefeito: “É certo que a cidade de Xapury tem a maior movimentação, o seu município é o de maior extensão e possui excelentes e mais ricos seringais, daí seu prospero comercio e sua grande população. Mas faltam outros requisitos necessários para uma capital, sendo notável a grande distancia que está dos demais pontos do departamento” (RIBEIRO, 1905).

Xapuri não tornou-se capital do Departamento, mas, manteve durante todo a época áurea da borracha uma grande importância econômica, motivo pelo qual adquiriu o título de “princesa do Acre”. Não se sabe ao certo se tão “nobre” denominação serviu como espécie de “prêmio de consolação”, mas, é possível dizer que isto não representou nenhuma melhoria na qualidade de vida de seus habitantes, principalmente dos mais pobres. Observe-se, por exemplo, a passagem do relatório de Acauã Ribeiro sobre a educação no município: “A Instrução pública e ministrada em duas salas de aulas mistas do primeiro grau, funcionando uma nesta Vila sob a direção da normalista Nicolina Fontoura e outra na cidade de Xapury sob a direção da professora D. Candida do Nascimento (...) não obstante o numero de crianças de ambos os sexos ser grande e a ignorância ser quase geral entre crianças e adultos”. (RIBEIRO, 1905).

De forma contraditória, o mesmo Acauã que havia elogiado as condições sanitárias de Xapuri, definiria a localidade posteriormente como “insalubérrima” e nada “higiênica”, com a população sendo acometida constantemente pelo beribéri e o impaludismo. Em suas viagens ao Acre entre 1912 e 1913, o médico Carlos Chagas ressaltou que o impaludismo atingia cerca de 80% a 90% da população de Xapuri. O cenário também não era lá muito agradável quando tratava-se de alimentação. A base alimentar era constituída de enlatados, no geral com data de validade vencida, carne seca e farinha. Claro que para os seringalistas ou grandes comerciantes, algumas regalias, mas nada também tão diferente. Talvez um pouco de bacalhau. Segundo o prefeito: “É um fato reconhecido por todos que é simplesmente péssimo o sistema de alimentação, onde o pão e a carne verde raríssimas vezes figurava (RIBEIRO, 1905.)

A população de Xapuri não foi constituída apenas por “desbravadores” nordestinos ou “comerciantes” sírio-libaneses e portugueses, como costuma-se a afirmar. Além destes, havia caboclos ribeirinhos, personagens que uma historiografia oficial tratou de “dar sumiço” e desterrados oriundos da cidade do Rio de Janeiro, que começaram a chegar a partir de 1904. Da prisão denominada “Ilha das Cobras”, vieram participantes da Revolta da Vacina e, posteriormente, da Revolta da Chibata. Somaram-se aos “revoltosos” os que foram denominados como “vadios”, “bêbados” e outras personagens que não se enquadravam nos preceitos modernizadores, vigentes na capital da República no início do século XX.

Perceba-se que existem intermináveis memórias que ainda precisam ser acessadas para que “outras histórias” sobre Xapuri sejam narradas. O enfoque deste texto foi na origem da cidade, mas sempre é importante ressaltar as constantes lutas e resistências que foram construídas, muitas vezes por personagens silenciados e silenciosos, mas que foram fundamentais para que Xapuri persistisse. Não interessa no texto discutir se Xapuri foi “princesa” e agora virou “plebeia”, citação constantemente utilizada para denominar o local como “cidade do já teve”. É possível, no entanto, perceber certo menosprezo, por parte dos que utilizam o termo aos “plebeus”, aos não aristocráticos, aos comuns o que deixa a impressão de que em Xapuri, mas do que o fato da cidade ter sido uma “princesa”, a sua caracterização com o “nobre título” serve muito mais para satisfazer o ego dos que juram, de pés juntos, que têm “sangue azul” circulando nas veias e, cá prá nós, isso é mesmo muito engraçado. 

Foto: Centro Comercial de Xapuri. Tibor Jablonsky. Fonte: GUERRA, Antônio Teixeira. Estudo Geográfico do Território do Acre, 1955. Pág. 160. Acervo Digital: Deptº de Patrimônio Histórico – FEM.

Francisco Bento da Silva e Sérgio Roberto Gomes de Souza são professores do curso de História da Ufac.

sábado, 23 de março de 2013

Rio Acre atinge cota de alerta em Xapuri

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A Coordenação da Defesa Civil em Xapuri divulgou boletim no fim da tarde deste sábado demonstrando o rápido e preocupante avanço do nível das águas do Rio Acre entre as 8 horas do dia 22 de março e as 16 horas de hoje.

O rio ultrapassou a cota de alerta, que é de 12 metros e 50 centímetros às 16 horas de hoje. A cota de transbordo em Xapuri é de 13,40m. Uma medida posterior ao boletim acima, feita às 21 horas deste sábado, registrou o nível de 12,64m.

De acordo com a Defesa Civil, sete famílias já estão sendo afetadas pela enchente e os trabalhos de remoção deve começar a qualquer momento. Os locais mais suscetíveis a enchentes em Xapuri são a rua Major Salinas e o bairro Braga Sobrinho.

Em fevereiro do ano passado, o nível do Rio Acre ultrapassou os 15 metros e afetou 1.194 pessoas em Xapuri. O número de desalojados e desabrigados somou 497. Na zona rural, 40 casas foram atingidas desalojando um total de 132 pessoas.

Em todo o Acre foram mais de 120 mil pessoas atingidas pela enchente de 2013.

Aplausos à guerreira Vicência

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A cozinheira mais ilustre de Xapuri teve uma despedida digna de celebridade, na tarde da última sexta-feira, no cemitério São José. E ela realmente foi e continuará sendo uma grande celebridade. Não dessas que surgem repentinamente em qualquer “reality show” ou “soap opera” da vida irreal. Vicência Bezerra da Costa, retirante nordestina e seringueira acreana, é uma notoriedade do verdadeiro e nada glamoroso espetáculo da vida real.

Saída de Alto Santo, no semiárido cearense, no ano de 1943, empurrada pela seca e pelo medo dos pais de terem os filhos homens convocados para a guerra, chegou ao Acre aos 14 anos de idade. Sua família veio misturada a muitas outras em uma das várias levas de nordestinos que embarcavam nos navios da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, durante a Segunda Guerra Mundial. Aportou nesse recanto longínquo da Amazônia e se tornou parte intrínseca dele.

Ainda menina, se incorporou ao novo espaço geográfico, tão diferente, bem mais abundante e, talvez, mais adverso que a própria caatinga de onde saiu. No nordeste, Vicência viveu a tragédia da seca e de lá fugiu em busca de um futuro “incerto e assustador”; no Acre, viu seringueiros morrerem de malária, serem explorados pelos patrões e esquecidos pelo governo federal que os arregimentou para o “esforço de guerra” que era o corte da seringa.

No seringal São Francisco do Iracema, onde viveu por 34 anos, cortou seringa, limpou roçados, caçou bicho do mato para a alimentação, aprendeu a cozinhar eximiamente, casou e teve quatro filhos. Viúva, já na cidade, usou a habilidade de cozinheira para montar a “pensão da tia Vicência”, onde se tornaria uma das figuras mais conhecidas e queridas de Xapuri, não apenas pelo sabor de seus pratos, mas sobretudo pela maneira como soube divulgar sua própria história.

Tia Vicência não era diferente das muitas outras pessoas que como ela ajudaram a compor esse tipo humano amazônico que é o imigrante nordestino. O que fez dela uma celebridade regional foi a empatia que desenvolveu junto ao variado público de seu famoso restaurante. A comida caseira “com gosto de seringal” era servida como se aquilo fosse um almoço de seringueiros depois de um “adjunto”, que era um mutirão realizado entre vizinhos próximos para serviços de plantação ou colheita dos roçados.

A galinha caipira à moda do seringal era comumente acompanhada da visita de Vicência a cada uma das mesas para conferir se o cliente estava satisfeito, se desejava um ovo estalado ou uma pimentinha para temperar melhor. Em seu restaurante nunca houve qualquer tipo de formalidade, a comida era servida como nos almoços de família. Lá também nunca houve self-service. O contato direto com as pessoas que frequentavam o lugar era uma questão de necessidade para Tia Vicência, que exalava sabedoria e história.

Aquelas mesas simples, de madeira rústica, acomodaram muita gente. Pessoas comuns, políticos, artistas, jornalistas e profissionais de diversas áreas e vindos de vários lugares do Brasil e do mundo. Para cada um dos fregueses, Vicência tinha sempre algo a dizer ou uma história para contar. Impressionava pela maneira como divulgava e valorizava a sua gente, a sua terra e o seu trabalho como seringueira, como “soldada da borracha”. Gritou, à sua maneira, o descaso oficial para com aqueles que, como os heróis de guerra, costumam mesmo ser esquecidos.

Vicência é, indiscutivelmente, uma celebridade. Atuou no palco da vida com a graça de uma verdadeira estrela hollywoodiana. Encantou a plateia com a franqueza de suas falas e conquistou uma legião de admiradores com a autenticidade do único e mais que suficiente papel que representou em sua longa trajetória: o da guerreira Vicência: mulher, seringueira e cozinheira que conseguiu transformar um roteiro simples e tão comum em uma belíssima história de vida. Aplausos justos e merecidos para ela.

Cidade, morada dos homens

João Baptista Herkenhoff

A cidade é a morada de grande parte dos seres humanos, neste início de novo milênio. Naqueles países onde as forças mais conservadoras tiveram poder para impedir a reforma agrária, o problema das cidades tornou-se ainda mais dramático.

Mas a cidade não é uma entidade abstrata, fora do conflito de classes e alheia às injustiças estruturais que massacram grande parte da humanidade.

Não existem grandes problemas na cidade para os que podem habitar uma residência condigna, locomover-se de carro ou em transporte coletivo de qualidade, ter acesso aos serviços essenciais – educação, saúde etc.

O problema das cidades é o problema dos que são excluídos da cidade.

A cidade é a síntese das negações de humanismo que dão a tônica do nosso tempo. A humanidade alcançou padrões de tecnologia que poderiam assegurar a todos os seres humanos o direito de reclinar a cabeça num leito, ao final de cada dia, habitando uma morada digna da grandeza infinita do homem.

Quem está fora da cidade? Quem foi expulso dos espaços nobres ou de razoável conforto para as periferias longínquas? Quem convive com o lixo e vive do lixo?

São pessoas sem nome e sem face, com direitos negados, marginalizadas, embora portadoras da mesma substância espiritual que nos irmana a todos.

Milhões de crianças estão abandonadas nos guetos das grandes cidades do mundo, especialmente no Hemisfério Sul.

Qualquer estudo estatístico que se faça vai revelar presença maior de mulheres do que de homens, nas favelas. Uma simples visita a elas estampa, ao vivo, essa realidade.

Também as discriminações raciais desenham o quadro geográfico de uma cidade. Exceções à parte, não se reserva aos brancos o pior espaço urbano

Ainda são habitantes preferenciais dos lugares imprestáveis, no conjunto do espaço urbano, outras espécies de oprimidos e marginalizados:

a - o apátrida, o refugiado, o que vive em terra estranha, o migrante;

b - os portadores de retardamento mental;

c - os portadores de deficiências em geral.

O fenômeno da exclusão não é casual, nem resulta de uma suposta seleção que um caduco darwinismo social teima em sustentar ainda hoje.

O fenômeno da exclusão resulta do aniquilamento do Direito, da negação da Justiça, da desumanização das condutas, do esmagamento da Ética.

João Baptista Herkenhoff, 76 anos, palestrante Brasil afora e escritor. Autor do livro Encontro do Direito com a Poesia – crônicas e escritos leves (GZ Editora, Rio de Janeiro, 2010).

sexta-feira, 22 de março de 2013

Parabéns, Xapuri!

A mais mundialmente conhecida cidade acreana está completando hoje seu 108º aniversário de fundação sem muitos motivos para comemorar.

Dona epítetos gloriosos como "Berço da Revolução Acreana" e "Princesinha do Acre", Xapuri vive do passado, que a cada ano vai ficando mais distante e esquecido pela tradicional falta de apego à memória.

A revolução já tem mais de 100 anos, e a cidade respira muito pouco desse tempo de glória; o seu melhor período de progresso e desenvolvimento, que lhe rendeu a nobre e carinhosa alcunha, remonta da primeira metade do século passado, talvez.

Até Chico Mendes, derradeiro de uma lista de grandes vultos que a cidade se acostumou a produzir - e este o grande responsável por toda a notoriedade que Xapuri possui no Brasil e no mundo -, já faz parte de um tempo que parece muito distante. Apesar de fazer pouco mais de 20 anos, apenas, que seu corpo e seus ideais foram enterrados no aparentemente longínquo dezembro de 1988.

"Terra do já teve" é outra designação, essa pessimista, da realidade de xapuriense. A cidade teve, realmente, muita coisa que hoje já não existe. Cinema, desfile de escolas de samba, comércio esplendoroso, um futebol recheado de craques e uma das melhores instituições educacionais da região Norte - o colégio Divina Providência. Mas fazer voltar o calendário não seria uma solução. Vivia-se muito pior naqueles tempos que na atualidade. Contrassenso? Reclamem com o Sérgio Roberto Gomes de Souza.

Assolada por sucessivas administrações que não funcionaram - algumas chegaram a oscilar entre o ridículo e o catastrófico - a cidade aparenta haver parado no tempo. Está feia e maltratada. Os visitantes, quando retornam ao lugar, sempre encontram a mesma coisa, e quando há mudanças visíveis, geralmente estas são para pior.

Tenho ouvido falar que Xapuri é a terra das revoluções. A armada, com Plácido de Castro; a ambiental, com Chico Mendes; e a ética referida pelo ex-prefeito Bira Vasconcelos. Sugiro, então, que seja feita mais uma revolução: a da transformação da cidade em um lugar que corresponda minimamente à grandeza da história que possui.

Esse, sem dúvidas, será o grande presente que a população espera receber nos próximos aniversários da nossa cidade. Indelicadeza falar assim de tão ilustre aniversariante? Talvez, mas abri os olhos nesta manhã de 22 de março mais realista que o próprio rei.

A prefeitura comemora a data como pode, com uma programação modesta, envolvendo escolas e população. O blog homenageia essa boa terra com a bela imagem acima, do repórter fotográfico Sérgio Vale, e com a letra do hino, de autoria de Fernando de Castela. A música foi composta por José Lázaro Monteiro Nunes.

Página viva da história acreana
Recebe o nosso afeto e gratidão
Reverente o teu povo se irmana
Neste hino que é hino e oração

Terra formosa, terra gentil
És Princesa do Acre
Glória dos acreanos (refrão)
Orgulho do Brasil

Teus bravos filhos, afoitos e pioneiros
Deste amado e glorioso rincão
Xapuris que se armaram guerreiros
Neste berço da Revolução

Que o exemplo de tanta afoiteza
De indomável coragem e ardor
Seja aos novos lição de grandeza
E esperança de paz e de amor

Xapuri nosso berço e agasalho
Nós herdeiros de herança viril
No teu chão plantaremos trabalho
Para a glória do nosso Brasil.

Parabéns a Xapuri e à sua gente honesta e trabalhadora, que labuta todos os dias para ver tempos melhores em um futuro que não esteja tão distante quanto está o seu passado de glórias.

O adeus de Tia Vicência

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Foi marcada pela emoção dos familiares a chegada do corpo de dona Vicência Bezerra da Costa, às 15 horas de ontem, a sua antiga casa, no número 59 da rua Major Salinas, onde ela pediu para ser velada. Tia Vicência, a maneira carinhosa como era chamada por todos que a conheciam, morreu às 7h30 da manhã dessa quinta-feira, no Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco, depois de ter sofrido um acidente vascular cerebral (AVC) no último domingo.

A morte da pioneira nordestina foi repercutida por toda a imprensa estadual e se tornou um dos assuntos mais comentados pelos usuários locais do Facebook. Através da estatal Agência de Notícias do Acre, o governador Tião Viana prestou solidariedade à família e manifestou “profundo pesar” pela partida da mulher que simbolizou como ninguém os Soldados da Borracha esquecidos pelos dirigentes do país que os arregimentou para uma guerra paralela ao segundo grande conflito mundial.

O programa Gente em Debate, apresentado pelo radialista Washington Aquino, fez uma homenagem especial à heroína xapuriense. Aquino havia se encontrado com Vicência fazia menos de duas semanas em seu famoso restaurante, em Xapuri. “Percebi que ela já não era a mesma. Tinha uma aparência cansada e reclamava de problemas de saúde. Mas jamais imaginei que estava tão perto de partir”, disse o jornalista. 

Em setembro do ano passado, Tia Vicência certamente sentiu umas das maiores emoções de sua vida ao ser homenageada, junto com outros Soldados da Borracha, e ter o nome inscrito no Panteão dos Heróis e Heroínas da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. O reconhecimento tardio se deu através da aprovação da Lei nº 12.447/11, de autoria da deputada federal Perpétua Almeida, do PC do B acreano.

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Na imagem acima, na capital federal, Tia Vicência posa com os colegas Soldados da Borracha de outros estados brasileiros e a deputada Perpétua Almeida. Naquela ocasião, disse: “Cheguei ao Acre para fazer borracha com 14 anos de idade, sem saber o que o destino me reservava. Hoje, eu me sinto privilegiada por ter feito parte da história e sinto que estou sendo reconhecida pelo meu esforço e trabalho durante tantos anos”.

O corpo de Tia Vicência irá à sepultura no dia em que a cidade com a qual tanto se identifica completa 108 anos de fundação. De todo esse tempo, a retirante cearense que fincou raízes no Acre tem participação em nada menos que 7 décadas. Xapuri perde um de seus maiores símbolos, mas ganha um legado imensurável de luta, um enorme exemplo de coragem e uma demonstração cabal daquilo que o Brasil tem de mais precioso: a sua gente simples e guerreira.

O sepultamento está marcado para o começo da tarde desta sexta-feira.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Lá se foi Tia Vicência

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Valdecir Nicácio

Ela era uma daquelas mulheres que somente pessoas como Olga Benário, Nízia Floresta, Maria Bonita, Maria da Penha, Bárbara Heliodora podem ser. Pessoas para as quais não cabem adjetivos porque elas durante suas vidas foram sujeitos de ação, transformação e superação das realidade que suas vidas lhe impuseram.

Quem conheceu a história de vida da Tia Vicência sabe o quanto é capaz uma mulher como ela, magrinha, de aparência frágil, gestos mansos e delicados e voz macia capaz de entoar o hino dos soldados da borracha pelos quais ela foi uma das maiores defensoras.

Pra não cometer o equívoco que o Brasil cometeu com o Chico Mendes em reconhecer sua luta somente após a morte. A Tia Vicência teve seus dias de gloria no final do ano passado quando foi homenageada no Congresso Nacional em Brasília por sua história de vida e sua luta pelo reconhecimento dos direitos dos Soldados da Borracha. Ela foi tão desprendida que nem esperou pra gozar dos benefícios que eles irão usufruir graças em grande parte à sua luta.

Depois dessa viajem ela mostrava com orgulho para seus clientes as fotografias com muita gente famosa que fez questão de se deixar fotografar ao lado daquela pequena grande senhora.

É claro que Xapuri perde mais um grande símbolo. Ela que era ao mesmo tempo reverenciada por todos os visitantes que tinham seu restaurante como opção de uma boa e farta comida, também era uma espécie de mãe de fogão dos velhos solteirões do fim da vida como o meu pai Walter Nicácio o Guilherme Zaire, Raimundo Figueiredo e tantos outros que para eles, ela fazia questão de manter reservada uma mesa. Ela dizia que aquela mesa era para seus velhos filhos. Eu cheguei a me emocionar quando estive lá logo após a morte do meu pai e ela me levou pelo braço pra mostrar a mesa que era reservada para meu pai ainda estava lá arrumadinha como se a esperar pela chegada dele para a próxima refeição.

Há essa hora seus velhos filhos estão comemorando no céu a possibilidade de finalmente comerem uma boa comidinha caseira com gosto de comida do seringal como costumava definir sua própria comida, enquanto a nós só cabe nos contentar com esse prato amargo que nos foi servido hoje.

Valdecir Nicácio é xapuriense, mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Essex-Inglaterra.

Morre símbolo da luta dos Soldados da Borracha

Deputada Perpétua Almeida lamenta e apela à Dilma para que evite novas mortes sem o reconhecimento salarial

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Da Assessoria da Deputada

Vicência Bezerra da Costa, a Tia Vicência como era conhecida, nasceu no Ceará e veio para o Acre como Soldada da Borracha.

Atraída pelas promessas do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta), chegou ao Acre aos 14 anos de idade, junto com as levas de nordestinos que foram enviados para os seringais amazônicos.

Como os outros 60 mil Soldados da Borracha importados do nordeste, Vicência foi incumbida de coletar o látex para abastecer a indústria de guerra dos Estados Unidos.

Mesmo atravessando todas as dificuldades de viajar amontoada com os outros, tendo o navio acompanhado por caça-minas e aviões de guerra, ter estado sob a mira de um submarino alemão e depois em terras desconhecidas trabalhar arduamente, Vicência nunca perdeu o bom humor.

Autora do Hino do Soldado da Borracha, cantava-o orgulhosamente em todas as solenidades e até o último minuto de sua vida acreditou no reconhecimento do trabalho que desempenhou.

A animação dela contagiava os que duvidavam da equiparação salarial com o soldo dos subtenentes do exército. Benefício que não conseguiu alcançar.

Dona Vicência morreu nas primeiras horas desta quinta-feira (21), vítima de um acidente vascular cerebral (AVC). Ela tinha 84 anos e deixa 4 filhos outros quarenta descendentes, entre netos e bisnetos.

A morte chocou a deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB), autora e relatora do projeto que equipara a pensão dos soldados da borracha ao soldo dos ex-combatentes de guerra, conhecidos como pracinhas. Projeto que, ainda, aguarda para ser incluído na pauta de votação da Câmara.

“É mais uma que morre sem ter seus direitos de Soldado da Borracha reconhecidos. Impossível não chorar! Eu fico com o coração sangrando, esperando quem será o próximo.  E lembro que meu pai, também Soldado da Borracha, esperançoso por ter seus direitos reconhecidos,  completou 90 anos. Faço mais um apelo a presidenta Dilma, para que faça justiça! São tão poucos! Preciso que a Bancada do Acre me ajude nessa luta. Já ta ficando muito tarde... Eles não aguentam mais esperar!”, desabafou.

Luto em Xapuri

Morre Tia Vicência, um dos símbolos da colonização nordestina na Amazônia

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Faleceu na manhã desta quinta-feira, 21, em Rio Branco, a cearense Vicência Bezerra da Costa, 84 anos, uma das pioneiras da colonização nordestina no Acre. Tia Vicência, como era conhecida por todos, não resistiu a um acidente vascular cerebral (AVC) sofrido na madrugada do último domingo, 17. Transferida para Rio Branco, onde foi submetida a uma cirurgia de emergência, foi a óbito nas primeiras horas de hoje.

Tia Vicência era proprietária do mais famoso restaurante de Xapuri, um dos últimos lugares onde ainda se pode apreciar a verdadeira comida caseira com “gosto de seringal”, como ela mesma costumava dizer. Profundamente identificada com a história da cidade, se tornou conhecida e querida a partir da maneira simples como desenvolvia o seu ofício e de como divulgava e valorizava as histórias, dramas e tragédias de pessoas como ela, refugiadas da seca nordestina.

Devota fervorosa de São Sebastião, padroeiro de Xapuri, dona Vicência contava que a sua fé foi trazida do Ceará, sua terra natal, e que já na viagem que teria como destino final o Acre, sua família foi abençoada pelas graças do santo protetor dos xapurienses. “O navio em que eu viajava com meus pais rumo ao Pará esteve na mira de um submarino alemão. Foram momentos de pânico, mas graças a São Sebastião nada aconteceu e escapamos todos”.

Mãe de Francisco, Getúlio, Maria de Lurdes e Maria das Graças, além de cerca de 40 netos e bisnetos, Vicência se dizia seringueira na alma e no coração. Chegou a compor um hino aos soldados da borracha, que gostava de cantar às pessoas que visitam seu restaurante, como forma de enfatizar que o trabalho dos nordestinos que para cá vieram mandados pelo governo para cortar seringa durante o grande conflito armado era realmente um esforço de guerra.

Vicência chegou ao Acre aos 14 anos de idade em meio à campanha de guerra e ocupação da Amazônia empreendida na década de 1940 pelo Governo Brasileiro. Como a grande parte dos nordestinos arregimentados pelo Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta), ela viu as famílias viajarem amontoadas a bordo dos navios do Loyd, sempre, de acordo com ela, acompanhados por caça-minas e aviões de guerra.

De acordo com o historiador Marcus Vinicius, da Fundação Garibaldi Brasil, cerca 60 mil pessoas foram enviadas para os seringais amazônicos entre 1942 e 1945. Desse total, quase a metade morreu por causa das precárias condições de transporte, alojamento e alimentação durante a viagem, além de fatores ligados ao ambiente extremamente hostil da Amazônia.

Os nordestinos recrutados para trabalhar nos seringais foram chamados de "soldados da borracha", porém nunca receberam qualquer remuneração ou homenagem pelo esforço de guerra. A saga de Vicência e os soldados da borracha está retratada no filme "Mais borracha para a vitória". Nele, Vicência conta histórias e canta as músicas que serviam de conforto numa época de dor e sofrimento.

Vicência e os pais moraram durante 34 anos no Seringal São Francisco do Iracema, numa colocação ao centro do barracão dirigido primeiramente por Said Rachid e seu genro, Milton. Vieram outros patrões depois, até que em 1979 a figura do seringalista deixou de existir e deu lugar aos fazendeiros "paulistas". Nesse período, ouviu falar de Chico Mendes, mas nunca chegou a encontrar-se com o líder ambientalista.

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O corpo de dona Vicência chegará a Xapuri no começo da tarde desta quinta-feira, de acordo com previsão da família. O velório acontecerá em sua antiga residência, localizada na Rua Major Salinas, no centro de Xapuri. A decisão da família de não velar a pioneira nordestina em local público (o velório deveria acontecer no prédio do Museu Casa Branca) obedece a um último pedido de Tia Vicência: queria ser velada na sua antiga casa em Xapuri.  

Com informações de Edmilson Ferreira em reportagens anteriores pela Agência de Notícias do Acre. As imagens são do fotógrafo Sérgio Vale.

Comentário do jornalista Beneilton Damasceno, que uma vez ou outra corria a Xapuri para saborear a deliciosa comida caseira de Tia Vicência:

“Tia Vicência, outra heroína de Xapuri que vai embora...

Acabo de tomar conhecimento da morte da Tia Vicência, matriarca de Xapuri, uma das mais amáveis e sensíveis almas que conheci e tida popularmente como "mão de fada", pelos pratos que preparava com incomparável requinte.

Tratava todos com a mesma candura de mãezona. Não me conhecia pelo nome - sequer sabia que eu era de Rio Branco, de onde saí não poucas vezes somente para degustar sua profusão de sabores tipicamente amazônicos -, mas me abraçava efusivamente como se eu fosse tão conhecido quanto o ex-presidente Lula, que por vezes degustou sua culinária sem igual.

Há alguns anos deixara de cozinhar - apenas transmitia sua experiência às empregadas mais novas, e recepcionava os comensais com alegria, a despeito da lentidão do andar e do corpo tênue e curvado”.