segunda-feira, 11 de março de 2013

Educador democrático vs. professor aristocrático

Antônio Henrique Martins de Carvalho

É curioso como alguns conceitos e valores de nossa época ressoam vazios de sentido nas práticas cotidianas de inúmeras pessoas. Atualmente parece pairar no ar um clamor por ética na conduta da coisa pública que uma simples olhada no que as pessoas postam em seus perfis pessoais em redes como o Facebook leva-nos a acreditar que todos aqueles que ali estão são bastiões da moralidade. Porém, como conhecemos muitos intimamente, logo notamos que se trata apenas de adesão superficial a posturas e valores de ultima moda ou “politicamente corretos”.

Na escola a coisa não acontece de forma diferente. Atualmente alguns jargões pedagógicos povoam as mentes e os corações dos docentes levando-os a aclamá-los como verdadeiras palavras mágicas que, quando evocadas, parecem impregnar a aura do professor que a diz como um sujeito “pedagogicamente correto” e atualizado com o que existe de mais atual nas ciências da educação. Um destes jargões é o de escola democrática e educador democrático. Que professor nos dias de hoje ousaria dizer que não é a favor de uma escola democrática? Muito poucos, acredito. Por isto, proponho abordar de forma sucinta certas posturas de nossos professores à luz da ideia de democracia para a primeira civilização que a adotou como pratica de exercício de poder; os gregos da Antiguidade Clássica.

Os gregos distinguiam três regimes políticos: monarquia, aristocracia e a democracia. A diferença entre eles estava no número de pessoas exercendo o poder - um, alguns ou muitos. Monarquia é o poder (arquia) de um só (mono). Aristocracia é o poder dos melhores, os aristoi, os excelentes. Eram os poucos que tinham aretê, a excelência do herói. Assim, a democracia se distinguia não apenas do poder de um só (monarquia), mas também do poder dos melhores (aristocracia), que se destacam por sua qualidade. A democracia era o regime do povo comum, em que todos eram considerados iguais para participar das decisões. Não é porque um se mostrou mais corajoso na guerra, mais capaz na ciência, na arte ou nos estudos, que teria mais direito do que os outros. Em Atenas e nas outras cidades democráticas (varias cidades gregas não eram democráticas), todos os homens adultos podiam tomar parte nas decisões exercendo o poder diretamente e sem intermédio de representantes na praça pública, que eles chamavam de Ágora.

O que mais parece estranho ao olhar contemporâneo é que na democracia antiga mal havia eleições. Na verdade, não havia muitos cargos fixos, havia encargos. Uma assembleia tomava uma decisão; era preciso aplicá-la; então se incumbia disso um grupo de pessoas. Mas estas não eram eleitas, e sim sorteadas. Por quê? A explicação é simples. A eleição cria distinções (diferenças). Se escolho, pelo voto, quem vai ocupar um cargo permanente - ou exercer um encargo temporário -, minha escolha se pauta pela qualidade e procuro eleger quem acho melhor. Mas o lugar do poder exercido pelos melhores é na aristocracia! A democracia é um regime de iguais. Portanto, todos podem exercer qualquer função, pois mais importante para os gregos era a igualdade (isonomia) entre os cidadãos, a perfeição na execução das tarefas vinha em segundo plano.

Atualmente a ideia de igualdade não exclui a noção de diferença, pois é evidente que cada ser humano possui particularidades ante seus pares, porém, o que é inadmissível é a transformação das diferenças (naturais e culturais) em desigualdades entre os seres humanos. Podemos tomar como exemplo do que dissemos anteriormente ao considerar uma criança surda. É claro que ela é diferente de pessoas que escutam normalmente, só que se a considerarmos com igualdade e colocarmos à disposição dela os recursos necessários ao seu desenvolvimento cultural ela se desenvolverá, mas se admitirmos a diferença como desigualdade de oportunidades evidentemente que ela não avançará muito.

Muitos professores democráticos no Facebook (virtuais?) irritam-se profundamente por não poderem excluir da escola aqueles alunos que não apresentam aptidão para o “seu” modelo de ensino. Muitos professores de escola públicas que se dizem democráticos defendem mecanismos de seleção dos “melhores” alunos para suas salas e estabelecimentos. Muitos professores que se dizem favoráveis a inclusão ampla desconsideram solenemente em seus trabalhos os alunos diferentes que recebem em suas classes. Muitos professores democráticos sentem verdadeiros calafrios quando algum outro professor defende a constituição de Grêmios verdadeiramente independentes como instância pedagógica de exercício político para a juventude desde a escola.

Para estes professores, democráticos equivocados ou aristocráticos enrustidos, um bom caminho para não serem contraditórios quanto ao que dizem e praticam, melhor seria refletir sobre o real significado do que defendem, para aí sim falarem com segurança daquilo que são, e como sugestão pedagógica, um pouco de estudo de História, Sociologia ou Filosofia seria um bom começo.

Antônio Henrique Martins de Carvalho é professor de História em Xapuri/AC e mestrando em Educação pela UFRRJ.

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