sábado, 24 de agosto de 2013

Basta dizer que sou do Brasil

*CLÁUDIO MOTTA

No mundo encantado da poesia e do bem querer, conhecemo-lo por Rimbaud, o poeta tosco nascido no verdejante vale do Akiri. Versos escandalosos ou ensimesmados, então, personalizaram-se e houveram por bem nascer nos domínios de Girão, em um tempo em que o rio comandava a vida e a seringueira sangrava, porque a feriam de morte morrida todos os dias de fartas décadas.

A última viagem feita pelo poeta à Irlanda, ou Eire, como era chamado antigamente, rendeu um conto de estação aclamado pela crítica quase nacional. Têm dito por aí coisas fantásticas relativas aos voos rasantes que são dados por sobre pântanos em alagação, campos em flores e corações aos pedaços.

Ele conheceu gentes e monumentos de estilos e épocas bem diferenciados. Teria ficado restrito a Oslo, a Noruega, mas a achou com um gosto de bacalhau fresco ou ardido, que lhe fez ruídos nas narinas e pigarros nos tímpanos, ou vice-versa. (Só para enrolar o bom intérprete com o qual seria melhor nunca se arriscar, se é que é possível... Eles têm a alma ruidosa e dizem ver naquele, ou em outros escritos quaisquer, coisas jamais tratadas por Carlos Drummond de Andrade, ou pelo meu amigo poeta bêbado, o Charles Baudelaire, com quem o bardo tem o prazer de se engalfinhar em tertúlias alcoólicas na pérgula da Vivenda do Petrópolis, à beira da piscina, ou no Pato Tropical, o boteco escolhido por dez entre dez acreanos de boa origem, como aquele que, felizmente, nasceu em Xapuri, daí o condão poético melífluo e quase afrodisíaco, escrevamos assim.)

O Charles Baudelaire, meticuloso até as tripas, houve por bem perguntar os porquês de o vate haver ambientado o seu conto logo na tão longínqua Irlanda, como se ele tivesse alguma coisa a ver com o tempo, o espaço e os personagens ali descritos.

Para quem já esteve em Dublin, como o poeta, torna-se fácil responder. Trata-se de uma velha e muito bem cuidada cidade da Europa medieval, como tantas, tão bela e tão romântica quanto os braços curtos e magros e nus da donzela da segunda fila  - aquela florzinha  - do meu teatro de gozos; mais, muito mais aconchegantes que as pernas grandes e voluptuosas da morena sentada ao fundo do pavilhão das lindas tetas ou das belas artes.

Com a primeira anja, a poesia poderia fazer amor. Com a outra, os versos fariam sexo frugal, acasalamento, algo mais selvagem e bruto e trivial e suculento e rude, como a alma do seringueiro que repudiou a mocinha só porque a via enquanto lânguida demais. Lamentável para um rincão onde, naqueles tempos áureos da borracha, mulher era igual agulha na folhagem caída da castanheira hoje morta.

Como um Quixote, em sua viagem miraculosa, ele varreu quase toda a Europa. Esteve sob os encantos dos alabastros e das prostitutas  -   as almas gêmeas da primeira dama da safadagem romana, Messalina, de dezessete anos, casada com Claudius, o Imperador, de sessenta e duas voltas do velho ponteiro mundano cansado e jamais exaurido.

Como Barba Azul, ele ouviu as trombetas do inferno tocarem meio-dia em ponto, quando uma mosca amarela zumbiu-lhe ao ouvido dizendo ser aquela a hora exata de cair fora, porque corações despedaçados podiam colar-se e, numa revolta macabra, reclamarem o sangue das cem virgens devoradas pela lascívia do sedutor tarado.

E os séculos voaram vertiginosamente no rumo de cá. Chegaram, enfim, ao terceiro milênio.

O poeta envelhecido em tonéis de carvalho, qual vinho tinto, saiu por aí, mais uma vez, a manchar os vestidos alvos das musas de um tempo de recreio em média idade.

Um dia, então, novamente ensandecido sob o efeito do suco da cevada podre, aportou em Lisboa para uma revisitação depois de anos que já se iam distantes. Foi ainda à Cidade do Porto e à Vitória de Setúbal. Dali, seguiu o caminho mais uma vez para Málaga, Barcelona e Sevilha, na Espanha. Em trem acrobático reluzente, foi a Paris e, depois, a Nice e Bordeaux, onde, em um lupanar caro da zona portuária, conheceu dama de vida idílica com quem engendrou romance pinga fogo. Chamava-se Antoinette, uma lourinha em unhas, lábios e vestidos vermelhos e ancas descomunais, em cuja companhia impermeável viajou por cinco longos anos a conhecer a Europa pelo lado do avesso, o da sacanagem. O dinheiro era proveniente da jogatina, esporte no qual ainda é uma águia dos Alpes ou um gavião de Xapuri.

Em camisa onde o amarelo predominava sobre o verde, estava escrito Sou do BRASIL. À sua passagem, cavalheiros e damas, da plebe ou da aristocracia, faziam reverências e espalhavam sorrisos e votos de boas vindas.

O doidivanas troteava à cata de cassinos, inclusive, em Monte Carlo, Mônaco e Lichtenstein. Não havia tempo ruim. Tratava-se de um brasileiro festivo e feliz admirado, inclusive, por aqueles que para ele perdiam grandes quantias em euros.  

A dama de companhia explicava a todos em um sotaque arredio, uma vez que viajara do Brasil para fazer a Europa, como prostituta, ainda infanto ou juvenil,  na década passada:

- Piranha é mulher que transa para morder fundo, tirar o sangue e ganhar muito dinheiro. Já galinha é aquela que se apaixona pelos amantes e morre na pobreza... No Brasil é assim. Cada qual no seu cada qual. As pessoas são muito felizes. Não dizem que rico ri à toa? Pois é. Os brasileiros são mesmo muito abonados, inclusive, espiritualmente. – No que era apoiada pelo poeta tosco:

- Além do Carnaval, do futebol e do samba, as mulheres do Brasil são as mais belas do mundo. Afora o fato de serem muito prendadas e atléticas nas alcovas tropicais, são esposas muito dedicadas, como é o caso de Antoinette, a minha amada que hoje se diz francesa.

Perguntaram-no, então, acerca do que fazia ou no que trabalhava para manter um padrão de vida tão luxuoso, uma vez que morava em uma garçoniere ampla com vistas para o mar de Bordeaux. Sem nenhum pejo, ele arremeteu:

- Sou brasileiro e, como tal, aprendi truques e fórmulas que me fazem viver bem sem ter que fazer tanto esforço. Afinal, os estrangeiros que vêm para a França para fazer a parte suja e pesada do trabalho que não é feito pelos franceses são os turcos do norte da África, para quem qualquer gorjeta já vale toda uma vida de privações e preconceitos.

O meu herói sabia onde dormiam as andorinhas e onde se divertiam os magnatas, os banqueiros e os armadores ricos do sul europeu. Lá estavam eles e para lá é que o poeta tosco rumava. Sem muitas cartas na manga do fraque, só algumas, ganhava do primeiro para dividir o lucro com o segundo, com quem combinara tramóia irremediável que não levantava suspeita. Vivera no Rio de Janeiro e aprendera as artes marciais, as da capoeira e as do amor, além da arte do trambique, esporte no qual os brasileiros são campeões antes de iniciada a primeira partida do campeonato carioca.

Um dia, então, o poeta Rimbaud foi perguntado por que folgava tanto enquanto se divertia pela Europa afora. Foi extremamente incisivo ao responder:

- Não esquenta não, mermão... Basta dizer que sou do Brasil!

__________

*Cronista: www.claudioxapuri.blog.uol.com.br  -  Acesse e opine!

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Cena inusitada

image

Numa dessas tórridas tardes de agosto, no cemitério de Xapuri, uma  persistente dupla monta guarda em um túmulo em cuja capelinha se abriga uma cadela no cio.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Cães nas ruas de Xapuri

Sou Médico veterinário e prometi cuidar dos animais, mas também me sinto responsável pela saúde humana e não é de hoje que vejo e me indigno em que situação chegou a população de cães de rua em Xapuri, em ver inúmeros animais doentes, ver quantidade de vezes pelas ruas e mais, muitas vezes em uma lanchonete ficamos rodeados de cães.

Não sei porque a população aceita isso, porque a prefeitura não tenta fazer algo para conter a proliferação destes animais. Muitos cães possuem donos, mas parece que aculturou-se criar animais nas ruas e não em casa, até onde eu sei o cão é um animais doméstico e deve ser criado em casa.

Os cães de rua além de representarem um risco físico, causar acidentes, também podem ser veiculador de inúmeras doenças para outros cães como a parvovirose e cinomose, inclusive ser um poderoso vetor de zoonoses – doenças transmitidas de animais para o homem. Entre as zoonose mais temida, esta a raiva, entre outras como sarna e a leishmaniose que apesar dos cães não transmitirem a leishmaniose  diretamente ao homem ele acaba sendo o hospedeiro desta doença.

Deixo aqui minha indignação.

Fábio Fernandes
Méd. Veterinário

sábado, 17 de agosto de 2013

Brasil inicia testes da vacina contra a dengue

Anvisa autorizou o Instituto Butantan a iniciar a etapa clínica do imunobiológico. O Ministério da Saúde está investindo R$ 200 milhões na pesquisa da dengue e outros produtos biológicos.

O Brasil começa avançar no processo de desenvolvimento da vacina contra a dengue com a permissão do teste em seres humanos. A Agência Nacional de Vigilância

Sanitária (Anvisa) emitiu nesta sexta-feira (16) comunicado especial que autoriza o Instituto Butantan a iniciar a etapa de pesquisa clínica do imunobiológico. O Ministério

da Saúde está investindo R$ 200 milhões no Instituto Butantan, o que inclui a pesquisa para a vacina da dengue e projetos de outros produtos biológicos.

A pesquisa do laboratório público deverá ser realizada com 300 voluntários e terá cinco anos de duração. A autorização é para a fase dois do estudo e tem como

finalidade analisar a efetividade, a eficácia e segurança da vacina tetravalente, que pretende prevenir a população contra quatro sorotipos da doença (1, 2, 3 e 4). Os

testes em humanos serão realizados em três centros de pesquisas clínicas em São Paulo: no Instituto Central (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo-

USP); no Instituto da Criança (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) e no Hospital das Clínicas (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP).

O Instituto Butantan iniciou a pesquisa da nova vacina em 2006 e, para tal, contou com a construção de um laboratório piloto, bancos de células e de vírus dos quatro

sorotipos da dengue. Se a vacina for aprovada em todas as etapas de pesquisa clínica, poderá ser comercializada e distribuída à população. A perspectiva do governo

brasileiro, em caso de sucesso em todas as etapas, atender a demanda global e exportar a vacina contra a dengue.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, considera que a autorização para o início dos testes em humanos é um grande passo para o enfrentamento da doença. Ele ressaltou

que a medida está alinhada aos esforços do governo para proteger a população contra a dengue. “O avanço da pesquisa de um laboratório público, no caso o Butantan,

reforça o comprometimento do país com o combate à dengue, uma das priorioridades para o Ministério da Saúde”, afirmou. Além disso, o ministro ressaltou o caráter de

vanguarda do imunobiológico, que ainda não é produzido no mundo.

A PESQUISA - A segunda etapa da pesquisa, também chamada de estudo terapêutico piloto, visa demonstrar a segurança, em curto prazo, do princípio ativo e a

bioequivalência de diferentes formulações do produto. Os testes são realizados em um número limitado – e relativamente baixo – de pessoas e registram como os voluntários

respondem às doses administradas. A partir desses resultados, a pesquisa poderá ser ampliada para um público maior, em larga escala, a chamada fase três do estudo. O

imunobiológico também é pesquisado em outros países e por laboratórios privados.

Além do Butantan, o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), também está pesquisando uma nova vacina contra a

dengue com apoio do Ministério da Saúde. Os estudos são realizados desde 2009, em parceria com o laboratório privado GSK.

INVESTIMENTOS - O Ministério da Saúde tem investido fortemente em políticas para o controle da dengue. Diversas ações foram implementadas nos últimos anos

em apoio aos estados e municípios, entre elas o aprimoramento da capacidade de alerta e resposta à doença, por meio dos sistemas de vigilância para detecção

precoce de surtos. Também foram destinados recursos, aos estados e municípios para financiamento das ações de vigilância, o que inclui o controle da dengue: R$ 1,05

bilhão em 2010; R$ 1,34 bilhão em 2011; e R$ 1,73 bilhão em 2012. Além disso, todos os municípios receberam adicional de R$ 173,3 milhões, efetuado em dezembro de

2012, para ações de qualificação das atividades de prevenção e controle da dengue, visando prevenir a intensificação da transmissão que sempre ocorre no verão. Em

2011, foram R$ 92,8 milhões para 1.159 municípios.

Em novembro do ano passado, o Ministério da Saúde lançou campanha de mobilização contra a dengue e intensificou a sua divulgação durante todo o período de maior

ocorrência da dengue em 2013. Também foi oferecido aos profissionais de saúde ensino a distância em manejo clínico do paciente com dengue, por intermédio de

curso promovido pela UNASUS, conhecido como Dengue em 15 minutos. Além disso, as secretarias de Atenção à Saúde e de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde,

vem prestando assistência técnica para organização da rede de serviços de saúde ao atendimento dos pacientes com a doença e apoio às atividades de prevenção e

investigação dos óbitos suspeitos de dengue.

Por Daniela Martins, da Agência Saúde-Ascom/MS.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

De amores e de bolachas

CLAUDIO MOTTA

Se não fosse volúvel como sou, seria um santo bem à moda das carolas mais fundamentalistas do século anterior ao meu. Tiro daí, então, advertência cruel segundo a qual uma das grandes perfeições do universo está exatamente na instabilidade do humano. A inconstância marca o passo da humanidade que se arrasta pelos becos e vielas do mundo, e não tem certeza da sua aposta no futuro que pertence tão somente a Deus.

Veio a mim gentil senhorita a dizer que a perfeição não é assunto a ser tratado comigo. Disse-me que muito me assemelho ao anjo exatamente porque tenho buscado ser o homem que anda nos trilhos com a certeza de que o trem não me atropelará. Tem razão a Isadora!

É por isto que vou vivendo e arrastando, com os andrajos mundanos, a volúpia do meu tempo chorão e ensaboado como a pele macia da morena da terceira fila, o quindim de jerimum da minha prosa poética, às vezes tão corrosiva ou sardônica ou irônica ou satírica. Em outras ocasiões, está lá estendida no chão duro da história uma poesia tão esquelética e melíflua e bela e sensual e nua e crua, como o arroz sem sal com o que mamãe me alimentou aos onze meses. Quanto encantamento!

É verdade, senhora lucidez. Varri o barraco do chão. Derrubei a vela e a tapera conjugal pegou fogo. Resolvi, enfim, dar um basta no relacionamento. Vossa Mercê mesmo há de lembrar, certamente, aquela máxima segundo a qual o sujeito perdeu uma chave velha e mandou logo fazer uma novinha em folha. Passados uns dias, então, ele achou a chave antiga e, morrendo de amores tardios, resolveu guardar a chave recente no fundo do coração e passou a fazer uso da anterior... É aquela coisa do até que a morte os separe, se é que a Isabela me compreende.

Ah, pois bem. Certo é que voltei às velhas manias, ao amor mais antigo do mundo, pensando naquelas certas coisas que já não são comuns nos nossos dias, numa alusão à modinha bem conhecida, como o gesto singelo que é mandar flores à professorinha jeitosa e linda.

Há mais de vinte voltas, eu houvera abandonado o velho amor por um amor do finzinho dos anos oitenta, quase noventa, novinho de dar gosto. Pitéu. Uma delícia e uma carícia a cada minuto dessa vida bandida e devassa engendrada por Deus e mantida por Ele mesmo. Esse era o nosso diapasão de muitos filhos insolentes e orgias indizíveis, tendo em vista o horário contra pornográfico e os censores da época.

Era feliz, sim. Mas sou e serei volúvel, sempre e de uma vez por todas. Viver uma aventura a cada duas décadas, ou a cada três semanas, é sempre bom para fígado e para os olhos dos que têm a alma vadia vaca cara lavada com sabão neutro, como eu.

O caso de amor barulhento, que substituiu o primeiro, teve real início quando nós juntamos os panos de bunda, isso, em noventa e um. Eu não a conquistei. Ela me seduziu. Vivemos dias felizes ao redor dos filhos gerados, paridos e criados com muito gosto e austeridade. Ganhamos bastante dinheiro. Quase ficamos ricos juntos, um tirando proveito do outro. Eu usufruía o que ela podia me dar e ela comprava com o que podia gastar, a rodo, na fuzarca e no carnaval das ilusões mais pífias.

Ela me fez largar de beber, digamos assim, por uns cinco dias, como costumeiramente faço desde os tempos de devaneio. (Bebo às sextas e nunca aos domingos, sem nenhuma sobriedade, é lógico.) Com muito gosto, segui-lhe os conselhos e passei a receber, aos sábados e demais dias, visitas de filósofos e historiadores de outros mundos, de Platão a Lênin, de Heródoto a Marc Bloch. Fabriquei o bem querer da academia. Dei à luz teses acadêmicas laureadas e de muito fôlego. Filhos gloriosos que logo cedo ficaram adultos e adúlteros, como eu. Sem nenhum pejo.

Mas o tempo não se rendeu e o destino fez das suas. Foi-se embora a volúpia das primeiras épocas. A libido passou a andar de bar em bar à procura de um amor dos velhos ou de novos tempos. Havia chegado, então, a época em que o verdadeiro grande amor não é tão durável e quase vira incesto... (É sabido por todos que, com a convivência por tanto tempo, o marido passa a ver a esposa como se fosse a sua irmã intocável.) A Gaia Scienptia, meu segundo amor, já dera o que tinha de dar.

Larguei-a solenemente em meio a um desses rendezvous da vida. Já a alma sacana se apaixonara perdidamente por Artêmis Littera, uma deusa de rua ligada a uma família de literatos de cordel vindos do sertão do Ceará.

Gaia foi por mim repudiada. Era já terceiro milênio. O casamento era bom, mas fadado ao fracasso dadas as diferenças de objetivos entre as partes. Ela, já em média idade, quis de mim o rigor, a seriedade, o corte epistemológico sem desvios. Ao passo que Artêmis Littera, prima de Mnéster, é jovem e sensualíssima, principalmente, porque vai falando uma linguagem que renasce a cada dia de cada milênio.

Numa rodada de cerveja, então, no boteco do Pato Tropical, apareceu moça esguia, alta, loura e divinal na sua dança de ancas largas, vinda de uma longa viagem por mundos distantes de mim. O meu amor de infância havia feito plástica. Colocara seios zero bala, botox e bunda arrebitada de carne sintética, além do modelito a la Bündchen.

Por que não correr para aqueles braços de pelo em blondô? Por que não voltar? Voltei e hoje temos já quase mil e duzentos filhos que pensam em se tornar milionários, como nós, tão fúteis, mas tão cheios de amor pra dar e jamais para vender.

Em suma, na adolescência, namorei a bela e sensual literatura. Depois, já na idade adulta, tive um caso de doze anos com a filosofia. Hoje, mais uma vez, já ao cair dos dentes, estou de amores ensandecidos nos braços da sempre jovem poetisa que me quer de novo depois de se ter deitado com milhões de pulhas e poetas farsantes como hoje o sou.

Eu era sonso em um tom acima. Depois evolui e passei a volúvel, inconstante mesmo, habilidoso demais com a poesia feita de palavras voadoras que cortaram corações pulsantes sob seios juvenis.

Assim é a vida. Há amores novos que substituem os anteriores, e amores anteriores que ficam no lugar dos novos. A fila é grande e não nos é permitido perder o tempo que vale ouro enchendo-nos de tantos escrúpulos e atitudes vãs.

Um dia, então, um desses varões ilustres do meu século vinte, houve por bem falar que mulher é que nem bolacha, porque em todo canto se acha. Ao que a fêmea, inteligentíssima, pra lá de sacana, respondeu que homem é como biscoito, pois vai um e vêm dezoito...

Minha queridíssima madrinha Eulália Brasileiro. Que a vaidade não me enfeie e a verdade não me minta. Lembras? Foi bem no meio dessa gente que eu nasci e cresci cafajeste para um mundo cheio de bordões, picardias e mil malandragens próprias do gênio do labirinto e da moça despudorada e nua, que encanta os mil pretendentes fazendo uso de uma flecha voadora mágica e sensual. Ah, os meus amores!

Era aquele um tempo fantástico e de paixões avassaladoras. Cruzes!

__________

José Cláudio Mota Porfiro é um mero cronista: www.claudioxapuri.blog.uol.com.br.

domingo, 4 de agosto de 2013

A irresistível saga da moça que roubou o homem de alguém

*CLÁUDIO MOTTA

Viver a modernidade em alto estilo é algo bastante dispendioso, oneroso e até certo ponto insidioso ou capcioso, digamos assim. Se não bastasse a seda e o linho, ainda há que comprar amor como se compra o vinho, quando, na busca da mais cristalina verdade, há o bem querer na praça, onde o amor pode vir de graça, bem devagar, solertemente... E basta ter paciência e um pouco de pertinência, quando o sentimento puder valer à pena.  É também conveniente o ser sensível dos que farejam a felicidade que está em qualquer canto da cidade ou em lugar algum.

Ainda bem que eu sou um mero inexperiente para quem tudo é urgente, embora sequer tenha estilo e muito menos um afeto. E o mal pior é que não sei mais onde está o apego, o meu chamego, a mulher de um homem só. Tenho-o observado exposto, à venda, em bancas de revistas, no boteco da esquina, em restaurantes caros e lojinhas do mercado popular. Então, o órgão do peito acelera e a poesia flui severa. Ah, quem me dera, viver ainda essa quimera, talvez eu a tenha deixado escapar ontem, anteontem ou em século algum. Foi, sim, por esses dias que o poetinha disse ao meu pé do ouvido:

- Ei, menino! Arrisca-te... É preciso muito siso, muita seriedade e pouco riso, para viver um grande amor.

E foi aí que ela acordou. E foi aí que a briga começou.

Estava a esposa a emprestar pistas sobre o que gostaria que houvesse no seu aniversário próximo. Ela disse que queria algo que fosse de zero a cem em cerca de três segundos. Disse o marido então que lhe compraria uma balança... E foi aí que o pau quebrou. Sobrou presença de espírito. Faltou sensibilidade.

Daí em diante, os temporais se sucederam a cada dia de cada semana de cada mês. A vivenda virou cabana e, depois de um vento brando, uma leve aragem, a casa caiu, o barraco desabou, no dizer do poeta quase acreano. Vinte anos de casados, dois filhos adolescentes que presenciaram o caos.   Coisas da modernidade.

Foi quando a moçoila adentrou o restaurante caríssimo em cadência de ancas largas e ligeiramente fagueiras. Vendia amor a preço irrisório ou por valor alto, dependendo do contato, daquela coisa de pele, que virou moda entre os mais sensíveis ao toque, ao olho no olho, ao lábio com lábio, ao voyeurismo das mãos irrequietas. (Isso já tá ficando sacana demais!)

Ele meditava sozinho à luz do dia do restaurante de primeira linha. A mão balançava as chaves do carro de luxo à porta. As coisas já iam de mal a pior e aquela beldade se derretia em sorrisos, sozinha, em uma mesa próxima, bem em frente à dele, um cinqüentão de roupas finas, anti rugas, visitas ao dermatologista, academia de ginástica por religião, poses e sorrisos estudados, educados, poesia requentada nos lábios, cartões de crédito internacionais e tudo o mais, em síntese, pronto para viver o amor em média idade com aquela florzinha de apenas duas dezenas de primaveras. Um quindim de jerimum!

- Vamos assumir o relacionamento. O que é que tem? Não há porque não. Esquece aquela doida lá de casa, e pronto! – Foi o que disse a ele a alma aventureira própria, que se acostara bem ao seu ouvido.

- Sou executivo de uma empresa internacional do ramo de automóveis. – Ao que ela respondeu:

- Eu, cá de minha parte, estou prontinha da silva para uma aventura secreta ou a céu aberto, do jeito que for.

Houve uma troca de celulares naquele lugar espaçoso, próximo ao banheiro, onde os homens se diferenciam dos meninos. Em nada mais que três minutos, ali bem próximo ao píer, já ele gentilmente abria a porta do bólido preto luxuoso que lhe servia de meio de transporte. Em menos de duas horas, já estavam os dois naquele local divino, ninho da sacanagem e do acasalamento frugal. E haja fôlego para não se fazer de rogado na frente de uma atleta de pouco tempo de serviço, e cheia de habilidades aprendidas em almanaques onde se ensina como bem vender o amor de verdade, o amor a esmo, misturado com torresmo, seja lá como for.

Deu certinho. Nem se deram ao luxo da discrição. Saíram do motel com os vidros abaixados. Já na praça, tomaram o tacacá da maria preta, um na mesma cuia que o outro. O Zé havia nascido para aquela alminha linda, morta de gostosa na sua tez alva como as nuvens da Ilha de Páscoa, do Pacífico Sul, onde passariam as próximas férias do verão asiático. Principalmente, ele acabara de nascer, sim, para assumir todas as continhas dela, na boutique, na perfumaria, no esteticista, na loja de jóias, na concessionária do carrinho dourado, e assim por diante. Seriam e são felizes por dois anos ou para sempre até trocarem tiros no boteco, na cantina ou na garagem da esquina. Talvez até dê certo. Tudo depende de ser ou estar sempre ereto, de prontidão, na boa, sem recuar, sem cair, sem temer... E sem ficar pobre, claro, isso nunca. Cruzes!

Mas tem sempre uma vizinha fofoqueira e enrugada para quem os anos perderam o sentido do ser e do estar. Foi aí que a Fifi entrou em cena sem nenhum pudor. Morta de ciúmes porque a filhinha encantadora, de quinze aninhos, houvera caído nas graças e estava barriguda de um zé ruela qualquer, desses que invertem noite e dia em busca de prazeres entre basilares e cheiradas letais, ela fez comentários atrozes:

- Essazinha aí, heim! Deu-se muito bem. E como é que não ia dar e gostar se ele tem com o que pagar? Descolou o velhote metido a besta. No futuro, dá-lhe um chute na bunda, fica com as coisas dele, e pronto. Com o vidro preto no carrão, ninguém chega sequer a ver a cara do come gente. Cá entre nós e o povo da Estação, ela roubou o marido de alguém. No mínimo, há agora uma família sem arrimo, uma esposa em desatino e filhos que já não contam com a presença do pai salafrário e pegador feito a peste. Arre égua!

É assim a vida moderna. Cada um dá o que tem, ou vende a preço de banana, ou em troca de uma bêemedábliu, de um corolla preto, ou de um palacete em Jurerê Internacional, Floripa... Melhor que em Vegas. Lá, o pessoal do cassino fala inglês.

Fiquei, digamos, meditabundo, depois das ocorrências drásticas. O amor tem sentido, vale a pena, mas também vale ouro trabalhado pelas mãos melhores ourives.

Ó minha caríssima Amanda, razão dos meus ais. Por ti esses sinos malvados e outras cositas mais dobram, a minha cuíca repica e o meu florete desembainha. Tudo é tão normal para os pós-modernos, como esses meus botões viciados e os zíperes escorregadios. Muito embora os fundamentalistas teimem, o casamento continua a ser como o submarino, posto ter nascido para afundar... Enquanto uns lutam, choram e se descabelam para não perder a consorte, a amada amante que lhe reservou Deus, outros, ao contrário, têm uma puta vontade de que um dia ela ou ele lhes afirme estar gostando de alguém, este, já um clichê em meio aos que começaram a trair para jamais deixarão de coçar.

Voltando aos pombinhos da irresistível saga, um dia, então, ainda em idade imatura, ela houve por bem enviar a ele um bilhete ensimesmado, um pouco aguado, mas cheio de amor pra dar. Anotou a ninfa que eram eles feito água de moinho que jorra para o futuro, sem medo do escuro. Vento no varal de um tempo que ainda vem, de barco ou de trem. Afã da juventude afoita tremeluz sorrateira, daquela maneira. O élan da vida viva ativa a borbulhar, e encantar. Farfalhar de folhas na primavera, uma quimera. Acalanto pra quem sofre ou é feliz, ou por um triz. Aragem no quintal do primeiro sol que marca o dia. Da ciranda de crianças no pátio escolar, nada devagar. Orvalho leve da madrugada tardia, não mais fria. Amanhã tem mais poesia e hoje é dia de ser feliz mais uma vez, e sonhar... É assim a vida vadia de quem é feliz mesmo sem saber.

Dois anos depois, o adeus foi inevitável e a bancarrota também.

__________

*José Cláudio Mota Porfiro é um cronista desatrelado: www.claudioxapuri.blog.uol.com.br.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Ulysses e a Cidadania

João Baptista Herkenhoff

Por iniciativa da Fundação Ulysses Guimarães tive a oportunidade de debater ante-ontem em Vitória. O convite me foi feito pelo presidente da Fundação. O tema proposto para o debate foi este: Para onde a cidadania quer levar o país?

Para discorrer sobre cidadania, numa instituição que tem o nome de Ulysses Guimarães, não seria possível iniciar a fala senão reportando-me a seu patrono, um paradigma das lutas cidadãs. Ulysses combateu a ditadura instaurada no Brasil em 31 de março de 1964 e desempenhou pepel decisivo na redemocratização do Brasil. Ao declarar que a Constituição de 1988 tinha sido promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte, o gigante Ulysses, com a Carta Magna erguida nas mãos, num gesto cívico, adjetivou o documento: Constituição cidadã.

Mas tudo isso é história e para os jovens até parece pré-história nestes tempos em que o ontem é esquecido e somente o hoje tem significado.

Entretanto é preciso que se diga com todas as forças da alma: um povo que não conhece o passado não tem futuro.

São muito expressivas e dignas de aplausos as passeatas que condenam a corrupção, que exigem segurança, saúde e educação, que protestam contra os desvios éticos. As classes dominantes desencorajam as lutas coletivas. Com frequência, os líderes das lutas coletivas são perseguidos, presos e até mesmo assassinados. O povo tem de aprender a vencer seus desafios com as próprias forças. Mesmo que o ambiente envolvente seja adverso, mesmo que a luta coletiva não seja valorizada e enaltecida, é a união que faz a força.

Assusta-me porém que algumas vozes distorçam os justíssimos reclamos e advoguem o retorno da ditadura. Assusta-me também que uns poucos maculem o protesto democrático com atos de vandalismo e destruição do patrimônio histórico.

Lembre-se, sobretudo aos jovens, que os atos institucionais que decretaram o regime ditatorial apresentaram, como justificativa para a supressão das garantias, a defesa dos valores democráticos. Entretanto, com as ressalvas admitidas para que vigorasse, em nossa Pátria, uma liberdade apenas relativa, o que vimos, a partir de primeiro de abril de 1964, foi a prática da tortura nos porões do regime, o assassinato de opositores, o silenciamento dos grandes líderes e os abusos de toda ordem.

Respondi à pergunta formulada pelos organizadores do conclave: a cidadania quer levar o país à Justiça Social, a uma melhor distribuição da renda, a uma educação pública de excelente qualidade, à efetivação da saúde como direito de todos, à infância e adolescência protegidas, cuidadas como tesouro mais precioso que o ouro e a prata, como disse o Papa Francisco.

João Baptista Herkenhoff é Juiz de Direito aposentado, Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo, palestrante pelo Estado e Brasil afora e escritor.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Agosto, mês do desgosto ou superstição?

João Baptista Herkenhoff

Superstição é a crença em relações de causa e efeito à face de determinados fenômenos, crença que, entretanto, não tem respaldo na racionalidade. Assim haveria uma oposição entre o olhar científico e o olhar supersticioso. Colocamos ponto de interrogação no título deste artigo para que a conclusão fique por conta do leitor.

Estamos começando Agosto.

Na alma popular, o oitavo mês do ano está associado a pesar, tristeza, dissabor, sofrimento. Talvez a crendice tenha origem em Portugal, onde as mulheres nunca se casavam no mês de agosto. Justamente no mês de agosto, os navios das expedições zarpavam à procura de novas terras. Casar em agosto significava ficar só, sem lua-de-mel e ainda correr o risco de sofrer uma viuvez precoce.

Nem Vinicius de Moraes fugiu ao presságio negativo do mês de agosto que, no Zodíaco, é comandado por Leão. Nos versos do Poeta,

”a mulher de Leão 
brilha na escuridão.

A mulher de Leão, mesmo sem fome, pega, mata e come.

A mulher de Leão não tem perdão.

As mulheres de Leão,
 leoas são.

Poeta, operário, capitão.

Cuidado com a mulher de Leão!”

Também outra justificativa para essa crença de agosto azarado é o fato de muitos episódios tristes, no mundo e no Brasil, terem acontecido no mês de agosto. Senão vejamos

Em 24 de agosto de 1572, por ordem de Catarina de Médici, ocorreu o massacre dos huguenotes.

Na cidade de Nova York, no dia 6 de agosto de 1890, o primeiro homem foi eletrocutado numa cadeira elétrica. Esta primeira execução traduz uma mensagem de iniquidade. Ou seja, o Estado arvora-se defensor da sociedade e supõe ser legítimo tirar a vida de alguém.

Entre os dias 6 e 9 de agosto de 1945, as cidades japonesas de Hiroshima e Nagazaki foram destruídas pela bomba atômica, nisto que foi certamente o maior genocídio da História.

No Brasil, dois presidentes da República, muito amados pelo povo, morreram tragicamente no mês de agosto.

Em 24 de agosto de 1954 Getúlio Vargas praticou suicídio, “saindo da vida para entrar na História”.

Em 22 de agosto de 1976, Juscelino Kubitscheck faleceu, vítima de um desastre automobilístico.

No calendário cívico do Espírito Santo ocorre, anualmente, sempre no dia vinte e quatro de agosto, a entrega do Prêmio Dom Luís Gonzaga Fernandes.

Este Prêmio foi criado com duas finalidades: relembrar o Bispo que tantos serviços prestou ao nosso Estado, fiel à radical opção pelos pobres; cultuar pessoas que testemunham os valores éticos a que Dom Luís consagrou sua existência.

Desta forma, se for verdade que Agosto é mesmo mês do desgosto, o Espírito Santo foge desta sina de azar.

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docenta da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor. Seu mais recente livro: Encontro do Direito com a Poesia – crônicas e escritos leves. (GZ Editora, Rio).