sexta-feira, 20 de março de 2015

A DÍVIDA PÚBLICA: TALVEZ UM DOS MAIORES PROBLEMAS DO BRASIL*

Carlos Estevão Ferreira Castelo

Desde a eleição presidencial de 2014 tenho observado no “mundo maravilhoso do facebook” uma verdadeira “guerra de postagens” entre vermelhos e azuis. Posts que, em grande parte, são totalmente descabidos de mínimo senso crítico (ou como diria meu filho: “sem noção alguma”). Dia desses, uma dessas postagens despertou-me maior atenção. Falava sobre a dívida externa brasileira.

Talvez tenha despertado meu interesse pelo fato de apresentar informações, incorretas, sobre um tema que tenho certo domínio devido minha função de Professor de Economia na UFAC. Era uma “fotomontagem”. Postada por um simpatizante do “Garantido”. O post afirmava, em letras grandes, que o “Lula havia pago a dívida externa brasileira”.

Fiquei com uma vontade enorme de comentar a publicação. A ideia era perguntar se o “amigo de face” acreditava mesmo naquilo. Mas, como agora utilizo o método de contar até três antes de comentar qualquer coisa nas redes sociais, pensei um pouquinho e decidi que não comentaria. Achei melhor escrever esse texto e publicar na minha linha do tempo. É que da última vez que entrei nesse tipo de “debate virtual” no grupo “Filhos e Amigos de Xapuri” com um funcionário do Banco da Amazônia, fui chamado de “intelectual criminoso”, “bandido”, e outras coisas que nem vale a pena falar.

O post da dívida, como também os comentários que o mesmo provocou, para mim evidenciam, claramente, como a maioria da população brasileira está totalmente desinformada (de propósito, diga-se de passagem) sobre o que considero um dos maiores problemas que enfrentamos: a nossa dívida pública. Considero a dívida um grande problema na medida em que a mesma se relaciona diretamente com o fato de sermos o 7º país mais rico do planeta, mas o 3º mais injusto (considerando a distância entre pobres e ricos).

Todo especialista na velha ciência social sistematizada por Adam Smith e outros clássicos sabem, ou deveriam saber, que o Brasil não pagou dívida nenhuma (nem externa nem interna). Inclusive, os valores que devemos só tem crescido nos últimos anos, e de forma considerável. E o mais grave é que entra Governo e sai Governo e continuam teimando em não admitir que a dívida é um dos nossos principais problemas. Além de não admitirem, não falam claramente sobre ela (e sobre as implicações dela) para a população (nem os burocratas do Governo, nem os políticos, e nem a grande mídia atrelada ao capital). Penso eu que se esclarecidos fossem, talvez os cidadãos questionassem de forma mais assertiva, por exemplo, o fato de 45% do orçamento do país ser destinado ao pagamento de juros e amortização. É quase a metade do orçamento destinado aos juros e amortizações da dívida, pessoal. Metade, eu falei metade.

Muito se fala em juros elevados no Brasil (e são mesmo), mas pouco se diz que juros elevados possuem relação direta com a divida pública. Muito se comenta sobre a carga tributária altíssima que suportamos, mas dificilmente se relaciona a carga com a dívida. Dívida que também explica, em grande medida, os famosos contingenciamentos orçamentários que ocorrem todos os anos no dinheiro da educação e da saúde dos brasileiros. Contingenciamentos para perseguir as “espetaculosas” metas de superávit primário. Sem falar do “dedinho de responsabilidade” dessa “velha senhora” - a dívida - com os cortes de benefícios sociais e as constantes ameaças de congelamentos da renda dos trabalhadores.

A dívida pública brasileira, teoricamente, pode ser dividida em externa e interna (digamos que é a soma das duas). Em 2013 a dívida externa brasileira já havia ultrapassado os 450 bilhões de dólares norte americanos. Portanto, quando muitos repetem que o Lula pagou a dívida ao FMI, estão se referindo, na verdade, a um pagamento de 15,5 bilhões acontecido em 2005. Pagamento que não foi nada bom para as finanças do nosso país, diga-se de passagem. Não foi bom, pois o FMI cobrava 4% ao ano de juros, e o governo brasileiro, para pagar esses 15,5 bilhões, emitiu títulos da dívida interna pagando por eles juros de 19% ao ano. Então, na verdade, trocamos uma dívida em dólares (que estava caindo na época) junto ao FMI à taxas de 4% ao ano, por um dívida, em reais, junto a bancos privados (maioria internacionais), à taxas médias de 19% ao ano. Penso que “ficar livre do FMI” é importantíssimo para o Brasil, entretanto, no mesmo dia que esse pagamento foi efetuado, o Ministro Antônio Palocci se apresou para publicar no sitio do Ministério da Fazenda que o pagamento não significava rompimento com o artigo 4º do estatuto do Fundo, simplificando: a “cartilha” do FMI. O Brasil nunca rompeu.

O sistema atual da dívida externa brasileira começa nos anos de 1970 da ditadura empresarial-militar. Exatamente quando a liquidez de recursos, em dólares, estava abundante no mundo. O governo americano havia acabado com a paridade dólar/ouro e, estrategicamente, ofertava sua moeda a taxas de juros baixíssimas e prazos de carência longos. O seduzido Brasil pegou muita grana emprestada (agentes públicos e privados). Onde gastou só suspeitamos. Mas havia um pequeno detalhe nos contratos, daqueles escritos com letras “miudinhas”, as taxas, apesar de baixas, eram flutuantes. Em outros termos, era o FED que controlava as taxas. Então, se os bancos credores precisavam de um “dinheirinho a mais”, era só aumentar as taxas.

Na década de 80 essas taxas flutuantes alcançaram patamares 20,5% ao ano, provocando crises em cadeia. Crises provocadas pelos bancos credores é importante frisar. É nesse momento que entrou com força o FMI. O FMI passou a “colaborar” com os países devedores, mas impondo sua “cartilha”. A principal exigência do FMI para “ajudar” os países devedores foi que deveriam renegociar dívidas com os bancos credores estatizando-as. Ou seja, o BACEN deveria assumir as dívidas do setor privado (de grandes bancos, de grandes empresa de comunicação, etc). Além das exigências de privatizações de nossas empresas, etc. Vários contratos da dívida foram estatizados, a partir de 1982.

Em 1992 existia a suspeita que a nossa dívida entrou em prescrição. Mesmo assim, em 1994, ela foi transformada em títulos (o famoso plano Brady – a dívida que era em contratos foi transformadas em títulos negociados no mercado). Trocou-se uma dívida em contratos provavelmente prescrita, por títulos. O Brasil não ganhou nada e ainda teve que comprar títulos da dívida americana, como garantia. E os “bônus Brady” serviram para comprar nossas empresas que foram privatizadas a partir de 1996. Além disso, a partir 2004 o Brasil também passou a fazer resgates antecipados da dívida pagando ágio de até 70%. A pergunta é: quem está por trás disso tudo?

Com respeito à dívida interna, em sua maioria, é resultante de mecanismos meramente financeiros. Juros sobre juros. Para conseguir mais dinheiro o Brasil vai criando papeis e estabelecendo taxas altíssimas para vendê-los no mercado. Processo esse intensificado no Plano Real para atrair capitais estrangeiros visando pagar exportações. Não esqueçamos que as portas do Brasil haviam sido abertas para as exportações. Seu volume gira em torno de três trilhões de reais.

E quem compra os títulos da nossa dívida interna? Os “dealers”. São eles os compradores, e também os que ditam as taxas que querem ganhar (no jogo de cartas os dealers sempre serão os últimos a dar o lance no jogo). Taxas que estão alcançando patamares de 11% ao ano, gerando lucros extraordinários aos grandes bancos multinacionais (maiores compradores de nossos títulos). E esse sistema todo opera com privilégios políticos, econômicos, e com apoio da grande mídia. Também com muita corrupção. Os que sempre ganharam colaboram para que o sistema não mude, nunca.

Aos pobres são dados pequenos ganhos e bolsas.

Antes de 2003 eu lutava muito para o “garantido” ganhar o campeonato. Ganhou e não mudou nada. Hoje só torço pelo Botafogo.

* O Artigo possui como fonte principal uma aula aberta na USP proferida pela professora Dr. Maria Lucia Fattorelli.

Carlos Estevão Ferreira Castelo é professor de Teoria Econômica da UFAC e doutor em História Social pela USP.

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