segunda-feira, 16 de março de 2015

A GENTE NÃO TEM CARA DE BABACA

Mariliz Pereira Jorge

Só tive certeza de que estava no lugar certo e na hora certa quando vi Bolsonaro ser vaiado e ser impedido de subir num carro de som, durante as manifestações em Copacabana, no Rio de Janeiro. Não teve político discursando. Uma minoria de gente boba pedindo intervenção militar. Grito de impeachment abafado porque as pessoas estavam lá por diversas razões que não somente essas.

Mas claro que também teve isso. E teve gente chamando Dilma disso e daquilo, mandando ela para aquele lugar. Esperado. Quando tem muita gente tem gente de todo tipo. Uns mais bem-intencionados, outros mal-intencionados. Mas tinha muito mais gente bem-intencionada.

"Eu vim de graça", gritavam, contestando a manifestação do dia 13, onde muito participantes contaram ter recebido dinheiro para estar lá.

Durante a semana falou-se muito sobre o equívoco dos protestos, de que vivemos numa democracia e que pedir o impeachment da presidente era golpe. Pensei muitas vezes se deveria ir. Não quero contribuir com golpe nenhum, não concordo com impeachment, sem razão legal, e acho patético quem pede intervenção militar.

"Se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão, se gritar pega ladrão, eee....", cantava a multidão.

Resolvi ir porque não estou contente com o governo atual e também por uma curiosidade jornalística. Estava decidida a arredar o pé se o tom descambasse para qualquer discurso antidemocrático.

O impeachment não foi o ponto central da gritaria. Então, governo diminuiu a importância dos protestos, dizendo que não havia oposição capitaneando os acontecimentos do dia de hoje. Jura? Acho o contrário.

Foi bonito ver gente de todo o tipo de gente protestando por razões comuns a todos, sem levantar bandeira partidária. O grito era contra corrupção, desemprego, educação, saúde, juros altos. São comuns a todo os cidadãos, certo?

Não teve Le Creuset, mas teve frigideira velha e enferrujada. Teve cartaz, bandeira e faixa. Teve criança, velho, mulher, homem, solteiro, casado, família, galera. Não teve briga, não teve encrenca, não teve xingação.

Quem ficou em casa e, pior, menosprezou quem foi, está perdendo uma grande chance de ao menos parar de olhar para o próprio umbigo ou para os umbigos dos seus amigos e ver o que esta acontecendo nas ruas.

Sugiro que jornalistas, colunistas, opinistas só escrevam sobre as manifestações de hoje se forem conferir in loco. Chega de opinião de ar-condicionado. Chega de opinião de quem não viu nada, sou viu pela TV ou ouviu falar. Vai lá e critica depois. Mais honesto e mais decente.

"A gente não tem cara de babaca, a gente não tem jeito de panaca, a gente não esta com a bunda exposta na janela pra passar mão nela...", me peguei cantando, enquanto sofria uma insolação. Elite branca, sabe como e, né?!

Mariliz Pereira Jorge é jornalista e roteirista. Escreve na Folha de São Paulo.

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