quinta-feira, 12 de março de 2015

CASA KALUME PÓS-ENCHENTE

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Entristece a imagem do que restou no interior de uma daquelas que foram as maiores e mais conhecidas casas aviadoras da região de Xapuri, após a vazante da enchente que devastou o centro histórico da cidade. A Casa Kalume já não “aviava” seringal nenhum fazia muito tempo, nem mais comprava borracha como fez em épocas passadas, quando chegou a enviar em um único carregamento cerca de 200 toneladas de borracha para Manaus, com base em antigas guias de embarque, preservadas até a invasão pelas águas do Rio Acre, mas guardava muito da história e da identidade acreana e xapuriense.  

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Construída em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, a antiga Casa Kalume havia sido transformada em museu informal pelo paulista de Corumbataí, Antônio Assad Zaine, o "prezado", 87 anos de idade, dos quais 60 são inteiramente dedicados a Xapuri. A partir do trabalho desenvolvido na Casa Kalume, Zaine se tornou uma das figuras mais significativas para a preservação da história e da memória do município, onde é uma das pessoas mais populares e queridas.

Com uma dedicação incomum a uma pessoa da sua idade, ele conseguiu preencher o vazio deixado pela falência do modelo de atividade comercial baseada no sistema de aviação, que consistia na troca da produção da borracha por mercadorias, com a criação de um museu, onde foi reunindo elementos diversos da vivência do povo acreano, que organizados de forma cronológica, retratavam a trajetória histórica da cidade, desde a ocupação pelos primeiros nordestinos que aqui chegaram, passando pela Revolução Acreana, até os acontecimentos mais recentes do cotidiano social e político da "Princesinha do Acre".

Nos últimos anos em que ainda conseguiu manter a casa comercial funcionando, entre poucas mercadorias e muitas histórias para contar, o prezado Antônio Zaine conviveu com um grande número de objetos raros, que iam desde rifles Winchester calibre 44, apelidados de "papo-amarelo", trazidos pelos grandes seringalistas durante a Revolução Acreana, espadas, instrumentos usados pelos seringueiros na extração do látex, artefatos de origem indígena, vasos vindos da Europa no início do século passado e, até mesmo, instrumentos de uso doméstico, como antigos ferros de passar à brasa, fogões de lenha e outros itens que denunciavam o estilo de vida levado pelos nossos antepassados.

Como o espaço da casa comercial foi se esgotando, Antônio Zaine passou a utilizar o velho armazém de borracha e também a casa de sua falecida sogra, dona Linda, situada ao lado de sua residência, na Rua Dr. Batista de Moraes, para acomodar o crescente número de objetos que a cada dia passavam a fazer parte do acervo que era formado, principalmente, por objetos antigos que foram abandonados por seus donos nos quintais das casas comerciais e residências localizadas na área mais antiga da cidade. Todo objeto antigo encontrado por um morador, transformava-se, nas mãos do Prezado, em uma peça de museu.

De acordo com a família Zaine, grande parte do acervo histórico foi perdido na alagação. Não houve tempo ainda para que fosse feita uma avaliação do prejuízo e do que ainda poderá ser recuperado. É certo que documentos como as guias de embarque de carregamento de borracha, notas fiscais, recortes de jornais da época e outros estão irremediavelmente perdidos. Peças como armas do tempo da Revolução Acreana, artefatos indígenas e utensílios usados por seringueiros certamente poderão ser restaurados e, talvez, parte do acervo possa ser recuperado e novamente organizado.

Uma história de amor e dedicação ao Acre

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Antônio Assad Zaine chegou ao Acre no dia 09 de julho de 1954, segundo ele mesmo conta, a convite de seu primo Jorge Kalume, então futuro governador do Acre (1967-1971), para pescar. Ao aqui chegar se apaixonou pelas belezas da região e logo adotou a cidade como a sua terra de coração, onde constituiu família (casou-se com a Professora Déa Gomes, com quem teve dois filhos, o ex-vereador César Gomes Zaine e a professora Terezinha Zaine Sarkis) e estabeleceu-se definitivamente.

Catalogação

Com o apoio financeiro da Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour – FEM - do Governo do Acre, por meio do Edital de Pequenos Apoios e Intercâmbio Cultural 2014, o pesquisador xapuriense Jefferson Saady, 22 anos, realizou catalogação de todos os objetos e documentos presentes no museu informal de Antônio Zaine, entre os dias 19 e 21 de janeiro deste ano.

Sobre o trabalho, o historiador explicou:

“No acervo foram identificados diversos tipos itens, desde fotografias à cadeiras e espadas; criamos um código para cada um dos mais de 300 objetos que agora estão em um banco de dados, com descrição detalhada, fotografados e em qual estado de conservação se encontram. Este banco irá ajudar a compor uma espécie de catálogo trazendo todos estes objetos para que se tenha conhecimento do que pertence ao acervo, ao museu particular de seu Antônio e, principalmente, algo que eu já observei no modo como o colecionador age, ele a cada instante ou oportunidade encontra um novo objeto e quando este precisa de um toque especial ele o dá e logo em seguida encontra um lugar para esse novo item. O acervo é mutável, é dinâmico, é reelaborado sempre pelo desejo de ampliar o sentido histórico que seu colecionador lhe quer empregar”.

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