domingo, 19 de abril de 2015

INFECÇÃO

Francisco Braga

Quem sabe é Deus e eu não quero (quem iria querer?) que ele venha me dizer pessoalmente que chegou a minha hora, mas se for, que seja. Porém eu peço ao meu absoluto Senhor que me conceda pelo menos, o tempo necessário para eu completar este texto. Bem, os planos de Deus são inescrutáveis, os meus, coitados, inexecutáveis como este de passar mais cinquenta e dois anos para concluir e dar o derradeiro ponto final em minha última crônica.

Não sou sujeito de chorar à toa não. Só quando alguma mulher me larga, me penabundeia com chifres e tudo, ficando com a caução do aluguel e eu só de calção, de bunda pro céu. Também quando levo uns bem merecidos tabefes de algum de meus queridos “melhores amigos” de boteco, quando sou achincalhado, roubado, pernapassado e humilhado... Enfim, chorar tem o seu valor, mesmo que lágrimas secas jamais levantem os sorrisos por onde passaram.

Quando sinto muita dor eu não choro não. Escorrer uma ou duas lagrimazinhas, quando o dentista sacode a tua cabeça pra lá e pra cá, agarrado com um alicatezão destamãe, no teu derradeiro ciso inflamado, até sacá-lo fora e distanciá-lo para sempre da tua saudosa rapadura, isso não é chorar é? Mas eu estou, neste exato momento, quase chorando por conta de uma brutal infecção intestinal.

O plantonista do hospital foi quem disse que é infecção intestinal, eu mesmo acho que é uma infecção tudal, porque me dói a barriga inteira, os peitos, as canelas, a coluna e o pé da orelha. Meu couro cabeludo arde, meu cabelo palpita. Apareceu até caspa na sola do meu pé. Me perguntou sobre meus modos alimentares e como pra médico, nem padre (só pra juiz federal) não se pode mentir, eu disse que bebo muito e como bem pouquinho. Tô preocupado. Acho que, daqui para frente terei que comer mais.

Eita! Meu estômago acaba de trocar de lugar com a pleura! A barriga se mexe tanto que tô me sentindo como aquela mulher grávida de sêxtuplos. Aiiii! Tô sentindo cólica até no sovaco. Pior de tudo isso é que ainda estou gripado. Cada espirro, outra cueca. Que vexame! Chega dá vontade de chorar. Com licença, vou ali, na casinha e volto já... Acredite, é uma fração de segundo!

Terminei ainda não, Senhor!
Ah, o Senhor já sabe né...
Benza-me, Deus!

Francisco Braga é jornalista, cartunista, cronista, poetista e o escambau a quatro.

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