terça-feira, 19 de janeiro de 2016

A CRIAÇÃO DA PARÓQUIA DE XAPURI: ALGUNS CONFLITOS NA FLORESTA




Sérgio Roberto Gomes de Souza

No ano de 1910, foi criada a Paróquia São Sebastião, em Xapuri. Cerca de um ano antes, no entanto, tiveram início as primeiras mobilizações de moradores da localidade, com o intuito de viabilizar a construção do prédio da Igreja. A perspectiva era angariar fundos, a partir da doação de privados, para que o imóvel pudesse ser erigido. O dito movimento parece ter tido alguma repercussão, considerando que jornais editados na região passaram a dar publicidade aos que contribuíam para a efetivação da mencionada “obra religiosa”. Em sua edição de 03 de maio de 1909, por exemplo, o jornal Acreano, editado na cidade de Xapuri, ressalta a contribuição dada pela firma Bandeira & Coqueiro.

"Com inteira satisfação publicamos o seguinte cartão que nos foi endereçado pelos nossos amigos Bandeira & Coqueiro, honrados negociantes, que vêm se estabelecer nesta cidade. 
Ilmo. Sr. Redator do Acreano: Vimos solicitar que V. S. faça a gentileza de entregar 120$000 (cento e vinte mil réis), produto da primeira venda que fizemos ao aportar em Xapuri, quantia esta que destinamos para o auxílio da construção da Igreja desta cidade. Dando V. S. o destino da quantia que enviamos, reconhecidamente gratos nos confessamos e nos subscrevemos com admiração".

Na sequência, o mesmo jornal destaca que repassou a quantia designada para os membros da comissão encarregada pela construção da igreja, fazendo referências elogiosas aos responsáveis pela oferta. Além disso, foram enumeradas outras doações, seguidas dos nomes dos responsáveis pelas mesmas. De acordo com o periódico:

"Passamos em seguida, por intermédio de nosso companheiro Dr. J. C. Fontenelle, essa quantia às mãos do coronel F. Simplício F. Costa, digno presidente da comissão encarregada da construção da Igreja. Cabe-nos agradecer os Srs. Bandeira & Coqueiro a distinção que nos fizeram por meio de seu digno sócio, major Sesostris C. Coqueiro, nosso prezado amigo, procurando-nos para intermediários de tão nobre e generosa comissão. Foram feitas ainda as seguintes ofertas para a obra da Igreja: Coronel A. Antunes Alencar, duas dúzias de tábuas; tenente Joaquim Pimenta, as telhas necessárias para a cobertura do teto da Igreja. São exemplos belos e producentes, que deverão ser secundados por todos quantos se sentem iluminados pela verdadeira fé católica".

No período, observa-se o desenvolvimento de atividades por parte da Igreja Católica. O Jornal Acreano, por exemplo, ressalta os festejos religiosos do mês mariano, em Xapuri, “notando-se grande concorrência de fiéis aos exercícios do mês de maio: missas às 07 horas da manhã e exercícios às 07 horas da noite”. Durante os atos de celebração, segundo o mencionado periódico, o padre Benedito costumava solicitar dos presentes o concurso de algumas esmolas, com o objetivo de manter os cultos, no que era, pelo menos em parte, atendido pela comunidade:

"Prontificou-se nosso companheiro, Dr. J. C. Fontenelle, a abrir uma subscrição em favor dos festejos do mês mariano, angariando logo, entre poucas pessoas, a quantia de 514$000 (quinhentos e quatorze mil réis), que foi entregue no dia 1º do presente ao padre Benedito, com o fim de concorrer com as despesas necessárias".

No dia 30 de maio, o jornal Acreano publicou nova matéria tratando sobre doações para a Igreja. Dessa vez, foram doadas imagens de santo, uma cruz de ferro e realizado um leilão, com o objetivo de angariar fundos:

"Registramos os seguintes donativos oferecidos em benefício da igreja desta cidade: Comandante Albano Lima, do vapor “Braga Sobrinho”, uma cruz de ferro para ser colocada sobre o frontispício da referida igreja; Sr. Francisco Damasceno Rocha, negociante nesta cidade, uma imagem de São Sebastião, com cerca de 1,30m de altura. Realizou-se, no domingo último, após a novena do mês mariano, um leilão promovido por um grupo de distintas senhoras e ilustres cavalheiros, cujo produto devia reverter em benefício das despesas dos festejos do mês mariano e da construção do templo católico nesta cidade. Houve uma grande concorrência a esse leilão, onde figuravam mimosas e delicadas prendas, oferendas de distintas famílias, senhoritas e cavalheiros, dando um rendimento total de 2:480$050 (dois contos, quatrocentos e oitenta mil e cinquenta réis)".

Chegado outubro de 1910, no entanto, o prédio da Igreja Católica, para o qual foram feitas doações e realizadas diversas atividades de arrecadação, ainda não havia sido erigido. A partir deste momento, diversos questionamentos públicos passaram a ser feitos, a exemplo de matéria publicada pelo jornal O Acreano, em 09 de outubro de 1910, na qual o periódico informa que o prefeito do Departamento do Alto Acre, Odilon Pratagi, seria procurado por uma comissão, em busca de auxílio para a construção do mencionado templo. Em tom sarcástico, o jornal sugere que se apele, também, ao “Mártir” escolhido para dar nome a paróquia (São Sebastião), para que se opere um milagre:

"Ouvimos dizer que uma comissão de senhoras e diversas pessoas, que já têm trabalhado para o benefício da igreja de Xapuri, pediram ao Major Pratagy o seu concurso, para ver se conseguimos a edificação de um templo católico. Podemos asseverar que quantias arrecadadas para a igreja de Xapuri, se conseguissem reuni-las, daria para a edificação de um bom prédio. Leilões, quermesses, subscrições, têm sido promovidos para o benefício da Igreja de Xapuri e, até hoje, só tivemos o assentamento da pedra fundamental, em local já prejudicado por outras edificações. Como o padroeiro escolhido pela comissão é um Mártir muito milagroso, pode ser que auxiliado pelo major Pratagy e o concurso geral da população desta cidade, sempre pronta a concorrer para tudo quanto é referente ao seu progresso, desta vez se opere um milagre".

Os reclames parecem coincidir com o início da crise entre o bispado do Amazonas e o padre Benedito, em decorrência de seu “comportamento inadequado” . No Livro de Tombo da Paróquia São Sebastião de Xapuri, referente aos anos de 1913 a 1967, encontra-se, sem detalhes, que o padre Benedito “não se moldou as recomendações da Igreja”. Na tentativa de resolver o problema, D. Francisco Benício da Costa, então 2º Bispo do Amazonas, optou pela substituição do mencionado padre: "Atendendo as necessidades da Paróquia de Xapuri, no Alto Acre, achamos por bem nomear o reverendo Joaquim Franklin Gondim, vigário da dita paróquia, com as faculdades que o direito lhe confere, até 31 de dezembro de 1914".

A partir do ano de 1915, sob a coordenação do padre Franklin Gondim, intensificaram-se as ações para a construção da igreja. Os trabalhos tiveram início com a fundação da grande torre, feita em alvenaria. Do Pará, vieram a porta principal, o arco de ferro e os mosaicos.

As festas do padroeiro São Sebastião, realizadas no ano de 1916, serviram, segundo o padre Franklin, para elevar o sentimento religioso do povo, mas também, para reforçar o caixa da paróquia. Ao todo, foram arrecadados quase mil contos de réis, recurso “que ficou nas mãos do Dr. Magalhães, para as obras da matriz”. O tom otimista, expresso inicialmente pelo padre Franklin, é substituído por certa melancolia, à medida que trata sobre a participação da população de Xapuri nas cerimônias religiosas:

"Fizemos a festividade com todo o brilhantismo possível, não conseguindo, porém, confissão alguma. Apelamos para o mês do Sagrado Coração de Jesus. Grande foi a minha decepção, meus próprios associados do apostolado não querem confessar e apenas quaro homens e duas mulheres aproximaram-se da mesa da Eucaristia. Os meninos do catecismo abandonam as aulas e os pais se descuidam de tão rigoroso dever. Em uma terra ária, ingrata, religião não pode ter guarida em um povo indisciplinado [...]. Entretanto, para as festas civis e profanas, são de um exemplo de entusiasmo a toda prova".

Mesmo com as queixas do padre, era nas festas e quermesses que se angariava recursos visando ao término das obras da Matriz. O problema, segundo o citado religioso, era os custos elevados para aquisição dos materiais de construção e contratação de mão de obra. O preço do trabalho de um operário, pelo período de um dia, custava cerca de 20 réis, enquanto uma barrica de cal não saia por menos de 120 réis. Para agravar ainda mais a situação, após os recursos financeiros da Paróquia terem sido consumidos, foi apresentada, pelo Dr. Magalhães, que liderava a comissão responsável pela construção da Matriz e atuava como procurador da Paróquia, uma dívida superior a três contos de réis. 

Para promover equilíbrio nas finanças, padre Franklin solicitou ao Dr. Magalhães uma prestação de contas, o que resultou em sua saída da comissão e na publicação de uma série de ataques ao padre, “em um jornal local”. Segundo consta no Livro de Tombo da Paróquia de Xapuri, do ano de 1915, os padres Franklin e Benedito foram acusados de não prestarem contas dos recursos recebidos. De forma sarcástica, o periódico ainda denominou a igreja em construção, “Igreja da Engrácia”, por já terem sido consumidos para mais de seis contos de réis, permanecendo a obra inacabada. Em meio às desavenças, o Dr. Magalhães foi substituído, na função de procurador da paróquia, pelo Sr. Francisco Ribeiro, definido por padre Franklin como “um homem probo, honesto e de bons costumes”.

Com a morte do sacerdote de Sena Madureira, Monsenhor Antônio Fernandes da Silva Távora, em 13 de setembro de 1916, as regiões Empresa, Xapuri, Sena Madureira e Antimary foram confiadas aos trabalhos de um único sacerdote, o italiano padre José Tito. Encerrava-se, desta forma, a turbulenta passagem dos padres Benedito e Franklin Gondim, pelo município de Xapuri. Quanto ao prédio da igreja, este só seria concluído no início da década de 1920.

Em 1921, após a criação da Prelazia do Acre e Purus, foi designado para a paróquia de Xapuri o padre Felipe Gallerani. Nesse mesmo ano, o padre Felipe convidou as Irmãs Servas de Maria Reparadoras, que já tinham uma comunidade em Sena Madureira, para também formarem uma comunidade religiosa em Xapuri. Padre Felipe Gallerani ficou à frente dos trabalhos, em Xapuri, até o ano 1937. Voltou em 1942, ficando até 1954. Durante o intervalo desses anos, atuou como pároco o padre Fernando Marchioni.

Sérgio Roberto Gomes de Souza é historiador.

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