quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

BANDA DE MÚSICA DE XAPURI: DO SONHO AO PESADELO
























Antônio Cosmo da Rocha (Magão)

A banda de música “Dona Júlia Gonçalves Passarinho” é a realidade de um sonho nascido no início da década de 1970 que já despertava com o talento de vários jovens que aqui viviam. Com a visita do nosso irmão xapuriense e que na época era ministro da Educação e Cultura, Jarbas Passarinho, que aqui esteve em 1971, o pedido dos instrumentos foram feitos e a esperança surgiu para concretização do sonho.

Era prefeito nesta época o senhor Júlio Dias Figueiredo, que formatou e oficializou o pedido e já providenciou um maestro para orientação dos jovens idealistas, banda que seria denominada - “Francisco Mangabeira” em homenagem a este herói, que além de ser autor do hino acreano, sacrificou sua vida às margens do Rio Acre.

À época da visita do então ministro, era governador do Acre o também xapuriense Jorge Kalume, mas por motivos desconhecidos esses instrumentos chegaram ao palácio Rio Branco e o os mesmos ficaram encostados em algum lugar. Nessa ocasião era empossado o novo governador do Estado, Wanderley Dantas, e como naquela época os governadores eram quem indicavam os seus prefeitos, o mesmo indicou seu primo, Edson Dias Dantas, para prefeito municipal de Xapuri.

Os já citados instrumentos só chegaram a Xapuri no ano de 1972, data em que o prefeito já era o senhor Edson Dias Dantas. Somente a partir desta data a banda de música começou a dar seus primeiros passos, recebendo do referido prefeito o nome de – “Dona Júlia Gonçalves passarinho” e não “Francisco Mangabeira” para homenagear a mãe do ministro Jarbas Passarinho.

A banda de música ”Dona Júlia Gonçalves Passarinho” iniciou seus primeiros trabalhos de matrículas e de ensaios, contando com 25 músicos e 1 arquivista, sob a regência do saudoso maestro Ruy Francisco de Melo, falecido no dia 6 de dezembro do ano de 1985. Sua primeira tocata oficial aconteceu no dia 20 de janeiro do ano de 1973, em uma alvorada em louvor ao santo padroeiro de Xapuri, São Sebastião, e ainda no mesmo dia acompanhou a tradicional procissão. Já no dia 22 de março do mesmo ano, data em que se comemora o aniversário de Xapuri, a banda foi batizada pelo vigário da paróquia local, Frei José Carneiro de Lima.

No início desta corporação simples mais famosa em todo estado do Acre, seus componentes passaram por um período de muitas dificuldades, porém o amor à profissão mantinha o sonho dos músicos, levando–os a se conformar em passar dois anos sem receber salários da prefeitura.

A falta de perspectivas fazia com que, muitas vezes, os músicos quisessem desanimar, mas o mestre tenente Ruy Francisco de Melo sempre dava um jeito de conseguir alguns trocados com o prefeito ajudando-os a manter a esperança de um amanhã melhor. Apesar de todo o esforço cinco elementos da banda desistiram da música.

Aos 2 dias do mês de abril de 1975 assumiu a prefeitura de Xapuri o senhor Ivonaldo Portela da Costa que já no final do primeiro mês de sua administração pagou uma gratificação salarial de C$ 200,00 na época, onde nessa ocasião pediu ao maestro Ruy que providenciasse os documentos dos referidos músicos para a tão sonhada contratação.

O esperado dia chegou, e em 1º de agosto do mesmo ano, a banda de música “Dona Júlia Gonçalves Passarinho” foi reconhecida e seus componentes foram finalmente efetivados como funcionários da administração municipal, normalizando a partir de então os salários destes trabalhadores que colocaram acima de tudo o amor a sua profissão.

Diante de tal gesto o prefeito Ivonaldo Portela da Costa, foi considerado o patrono da banda de música que estava prestes ser desfeita. Portanto, é mais do que importante abrir um parêntese para agradecer primeiramente a Deus e ao economista que no meio de tantas análises, números e cálculos e inúmeras dificuldades deu a oportunidade à música e aos jovens do nosso município. Obrigado, Ivonaldo Portela da Costa.

Mas a história de luta da Banda de Música Dona Júlia Gonçalves Passarinho não termina assim. Depois de lutar pelo reconhecimento, pela contratação, pelo tão sonhado primeiro salário, e depois dos anos de glória e de muitas apresentações em diversos municípios e também nos países fronteiriços do nosso estado, quero relatar outra fase da nossa banda, citando Tim Maia na música tão maravilhosamente interpretada pelo rei Roberto Carlos: “Há muito tempo eu vivi calado, mas agora resolvi falar...chegou a hora tem que ser agora”.

Em nome de todos os meus colegas de trabalho vou em rápidas linhas tentar relatar um pouco da situação da nossa banda municipal. Situação essa completamente desconhecida da população de Xapuri.

Desde o ano de 1986 nossa banda vem sofrendo um total abandono por parte das diversas administrações municipais. Falta apoio, falta material humano, faltam instrumentos, falta estrutura física consistente num alojamento adequado para o exercício das nossas funções, não possuímos fardamento digno, bem como não existe uma agenda cultural em que a banda possa se apresentar, ou seja, fomos completamente esquecidos e estamos sem nenhum prestígio diante da sociedade.

É importante salientar que, por conta desse abandono e do descaso administrativo, todos nós músicos da banda, por diversas vezes, fomos e ainda somos taxados de vagabundos, preguiçosos, que ganham o dinheiro com a cara sem fazer nada, sendo que tais palavras foram proferidas por alguns munícipes e, pasmem, por alguns secretários, diretores e prefeitos, agentes públicos que se cumprissem suas funções teriam que solucionar e dá suporte à Banda de Música, que acima de qualquer coisa faz parte da administração pública municipal.

O pior capitulo dessa história se iniciou na grande enchente que assolou Xapuri em fevereiro do ano passado, onde o alojamento da Banda de Música foi cedido sem o nosso conhecimento para servir de abrigo provisório para uma guardar materiais do hospital Epaminondas Jácome, que foi severamente atingido pelas águas do Rio Acre. Acontece que os instrumentos, partituras e demais materiais não foram retirados do local, simplesmente colocaram o material hospitalar junto com todo o material da Banda sem nenhuma cautela, instrumentos que em sua maioria são manuseados com a boca do músico o que tornou praticamente impossível a retomada dos trabalhos ante a falta de cautela e higienização do material que lá se encontrava com material hospitalar. Me pergunto: quem em sã consciência colocaria em sua boca algo que passou dias e dias misturado com material hospitalar sem nenhum cuidado? Eu não teria essa coragem e tenho a total convicção que os senhores diretores, secretários e quem quer que seja que falou a ou b também não o fariam.

Qualquer departamento público que se digne tem um responsável, ou chefe, um diretor, alguém a quem se possa reportar, mas o descaso e a falta de respeito conosco é tão grande que desde novembro de 2014 essa figura não existe na Banda de Música, não temos nem mestre para nos reger.

Algo que nos deixou muito tristes foi o fato de que, depois de 43 anos de existência, a Banda de Música não pôde participar da Procissão de São Sebastião realizada no último dia 20 de janeiro, participação esta que já está incorporada na tradicional festa do padroeiro. Saliento que não participamos da festa por TOTAL FALTA DE ESTRUTURA E NÃO POR VAGABUNDAGEM como uns e outros falaram. Aos que disseram isso por favor respeitem pelo menos os cabelos brancos da maioria dos componentes.

Registro que nossa última apresentação digna foi em 19 de janeiro de 2013, ocasião em que comemoramos os 40 anos da Banda de Música com a presença de várias autoridades e com o reforço da Banda de Música da Polícia do Exército de Osasco-SP, que com muito esforço veio abrilhantar o evento. Na ocasião contamos com muitas promessas de melhorias que se perderam no vento.

Enfim, são anos e anos de descaso, de desrespeito, de falta de vergonha, perdoem-me o palavreado, mas é isso. Indignação é a palavra que resume nossos anos de dedicação e respeito ao serviço público e principalmente nossa dedicação à nossa arte e a sensação que temos é que de nada adianta falar, fazer reuniões, explicar a situação aos gestores públicos que não adianta nada, absolutamente nada, nosso sentimento de impotência é grande e por conta disso o que me resta é desabafar em nome de todos os componentes de Banda de Música Dona Júlia Gonçalves Passarinho e expor também em forma de imagens um pouco da nossa história do passado e do presente e volto a repetir para aqueles que nos taxaram que vagabundos são aqueles que roubam o dinheiro público e tratam pessoas de bem e servidores públicos como palhaços.

Aos que tiverem alguma dúvida estou à disposição para esclarecer qualquer questionamento.

Antônio Cosmo da Rocha , o Magão, é músico é um dos mais antigos componentes da Banda Musica Dona Júlia Gonçalves Passarinho.

Nenhum comentário: