quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

NOS BONS TEMPOS DE REGATÃO

















Francisco Antônio Saraiva Farias

O nosso relógio era o sol. 
No nosso modo de vida o tempo corria mais devagar. 
O nosso batelão era de pouco calado, o que nos permitia navegar de inverno à verão. 
O batelão era do Expedito. 

O Expedito é meu irmão.
Um nego bom, com quem você sempre pode contar.
De todos os meus nove irmãos ele é o mais brincalhão.
Por ele nutro um amor especial, apesar da distância física que nos separa.
Nos poucos meses que vivi com ele e a sua companheira Aldeídes, subindo e descendo o rio, no Regatão, estão parte importante das minhas melhores lembranças.

O Batelão tinha um bailéu onde ficava o leme.
O meio do batelão era protegido por duas paredes, com dupla serventia: fixar prateleiras onde eram arrumadas as mercadorias e nos proteger do sol, da chuva e do frio.
Na popa do batelão tinha um motor Bridget, de nove cavalos, que tangia a navegação.
Muitos chamavam o motor de burro preto, pela sua cor e pela sua função.

À noite, para dormir, a gente arriava as sanefas para se proteger.
Logo de manhãzinha, a gente suspendia as sanefas e as prendia nos caibros do toldo, quebrava o jejum, com café, macaxeira cozida, carne seca e peixe frito com farofa.
Depois, com um largo sorriso estampado no rosto,
A gente começava à navegar.

Nas muitas subidas e descidas, nasceu um amor especial entre eu e o rio.
As águas e os anos passam, independente da nossa vontade,
Levando muito de nós,
Mas o tempo, sorrateiro e velhaco,
Não conseguiu apequenar o amor que prazerosamente brotou entre eu e o rio.
Sinto uma imensa saudade de tudo:

Das pescarias de mandi nas sombras do imbaubal,
Das amizades da Amazonas e da Quinha,
Dos Forrós bem animados pelo Dondino, Sanfoneiro dos bons,
Dos causos bem contados pelo Seu Brando, pai da Aldeídes, e pelo Expedito, antes de apagar as lamparinas para dormir.

Os meus olhos marejados de lágrimas parece que ainda veem àqueles barrancos verdes de Porto Acre,
Do Entrerios, do Igarapé Grande e do Andirá, o seringal mais bonito da beira daquele rio.
Lembro-me, como se fosse hoje, do imbaubal e dos pés de uranas beijando as águas das beiradas do rio,
Do Bom Destino, do Pé Direito, do Quixadá, da Mão Poderosa e do Caquetá.
Quis o destino nos distanciar, mas eu volto, meu Rio Acre.
E levarei comigo o meu irmão Expedito.

Pode esperar.

Francisco Antônio Saraiva Farias escreve eventualmente no grupo Xapuri: memórias e histórias.

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